Porém a maioria de nós (pessoas meramente humanas, inscientes ainda do que são, donde vêem, aonde irão) se recusa ou não procura penetrar a vida (desvelá-la) em sua plenitude.
Renunciam a imergir nesse labor hermético porque esses espíritos são instintivos e inconscientemente inclinados a beber do imediato, a usufruir a realidade “real”, porque é a que aflora e se oferece de plano à alma. É a mais fácil, é a realidade mundana, prostituta e tal, mas capaz de segurar na mão. E assim dar segurança e finalidade à vida.
Esses formam o mundo (no sentido de que deles depende a vida do mundo), são a nata (proletária e empreendedora). São atraídos pelas coisas e abandonam o eu. Tornam-se frios, objetivos, analíticos, desconfiados, decididos. Sabem o que querem. Querem o mundo e o injetam em suas veias, ocupam o coração com coisas e desejos vãos.
Os antípodas (que se introvertem e veem as coisas por dentro, não como são na realidade “física”, mas como parecem do belvedere interior, do íntimo) representam a legião imensa dos introvertidos, vertidos para dentro do si mesmo, seduzidos pela sensibilidade subjetiva, meio que passivos, inativos (no sentido de resistentes à ação sobre o imediato mundo de fora deles).
Inclinam-se para si (e não para o outro ou para as coisas). O mundo para estes começa e termina, inicia e finda no eu (em mim, como este poeta).
Têm o eu como meio de atuar no mundo (que é passivo e não ativo como o é o dos extrorversados da vida prática); o eu (o em-si) é o centro de tudo.
Porque curiosos de si mesmos, os contemplativos (como os verdadeiros poetas) imergem no poço do si para desvendar os mecanismos da alma. E assim adquirem a dupla perspectiva: do em si, porque nele mergulham e do para nós, porque é um de nós. (Um ser vivo, etc). Ganham a visão dupla (mas não somente patológica) do sujeito e do objeto humanos.
Veêm com os insacráveis olhos da (in)consciência. E assim veêm tudo e muito mais. São os olhos intensos e extensos do poeta.
Só poeta é capaz de a cada palavra que escreva (ou crie) trazer à tona humana uma verdade. Por isso a verdadeira poesia é verdadeira. Por isso os sentimentos do poeta têm força. Fazem a epopeia do eu. (Novalis: Só o poético é verdade).
Ao poeta cabe escavar o si em si mesmo e projetar ao mundo (ou mesmo o mundo). Com sua ímpia lupa impiedosa e cinzel que revolve alma, alados martelos a batear o id ponto a ponto. Abater muros, abrir masmorras, as indefesas fortalezas do espírito desabar, demolir o escuro, abater a névoa... e chegar ao id, verdadeiro centro (dinâmico) do ser.
Entre a primeira e segunda realidades está a dos que transitam entre elas, organizando mapas, becos, vielas, avenidas, itinerários secretos, que permeiam para serem.
Vão pelos caminhos de si mais do que pelo dos outros ou das coisas (do mundo). Traçam seus próprios destinos. (Falíveis ou não).
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