Quem escreve, a quem o escrito pertence? A qualquer um, menos ao autor. Quem escreve não sou eu, é o quem me arrastou à escrita, me jogou na página e no ambiente criativo que o ato de escrever gera. O arrastão para fora de mim foi vital à escrita.
O desapossamento, o desensimesmar, o desalojamento extremo, me desrestituiu o nome vital, a marca individual, de modo que quem escreve torna-se um ser sem nome e mesmo sem ser: o escriba originário. Que pode ser uma mesma pessoa sempre: esqueci o termo filosófico, criado por Berkeley. O quem escreve não vive, não cessa nem começa: é a escrita o autor, o uso criador da linguagem que gerou o humano... não necessariamente o homem, este submeteu-se a um processo físico e nada metafísico de hominização... e poucos o completaram, acredita-se que menos de um por cento. Dos riquíssimos, nenhum é humano só, ainda.
Mesmo o eu da narração nada tem a ver com o autor. Em especial, em poesia, se o tiver, não é poesia o produto do eu físico, identificado, pessoal. É, quem sabe?, hemoptise verbal, hemorragia lírica, algo romântico, de marca pessoal, o eu jorrando ridiculamente. 96% dos casos “poéticos” é assim. Assado.
É o eu poroso e agonizante de que falou tão bem o imenso Maurice Blanchot, cuja perda tornou pensa a crítica literária a nível mundial.
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