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Sáb, Jun

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Árduos textos saltam da noite fria garoa erma.

Nem lote de compaixão resta do coração.

Não é mais verão no corpo, só outono e dor.

Já não sinto cheiro, empalho flores, detrato néctar.

Pétalas nasais morreram de odor.

 

A nau da noite é turva. O rumo curvo.

Deriva premente. Aderno na manhã.

Com o poema atado na lauda do coração.

Sob crivo da luz noturna, meus olhos morrerão.

Vou rumo ao sal, após a tarde estarei

a tua desesperada espera.

 

Tudo o que desquis dizer está cá

hic et nunc.

 

Descrição de mim e de ti (tão noturna).

 

Podres odores, estupro de maçãs, macias ilusões.

Ásperos aromas mortuários, dilúvios de hiatos

lápides amontoadas sobre ossos, é como me sinto.

 

A alma... severa mandíbula metafísica

da larva racha, corpo espera

pelo tumulto da ressurreição.

Pela banda podre, sai a canção.

 

Ao sal de teu corpo irei salvar-me.

 

Enquanto poema ouço deserta rima.

 

Dobre (não fúnebre, mas torpe) cria

eco insolente no corpo da noite.

Amaro verso escapole do horto

coração atrevido e descalço me ouça.

 

Ontem conclui a terceira porção inteira

do manual de solidão... sem ninguém.

Ou instruções veniais.

 

Idolatrias hipócritas, preces vulgares

não têm guarida no Salmos vermelhos.

 

Vidente Rimbaud mo-diz.

 

A beleza da utilidade da palavra rechaço.

 

Imaginário livre à deriva, eis o porto.

 

Discípulo de Mallarmé e Stefan George.

 

Nexos intrincados não são crimes.

 

O poeta representa só a si mesmo, poeta.

Não é cidadão ou dono de pátria verbal.

 

Planto esses textos na generosa página branca

manuscrevo o escuro, o êmbolo da hora marca

duas e meia e parece náufrago. Hoje

é sexta, dois dias após as cinzas da quarta:

acordes da orquestra de  Poly chegam a mim

vêm de longe do quarto antípoda do escritório

boleros de penumbra santa.

De súbito Stockholm de Aubert no ápice

do tímpano ancora.

 

A linha pontifícia de minha poesia além da política.

Abjuro do poema velho (que náusea causa).

 

Hostes do caos acampam na página.

Verbos inóspitos me esperam

do outro lado da selva escura

na outra margem da vida dúvida.

 

Choro pelo soneto que nunca escrevi.

Porque sou impotente. E vital.

 

Não espero ser compreendido, ainda bem.

Espero sim e muito ser bem incompreendido.

Sempre. Por séculos e ossos de séculos, amém

(a mim complexado de verbais absurdos).

 

Sébastien Joachim num lance bem dado

disse tudo: a intenção de Vital é derrubar o significado.

Estancar a ansiedade do sentido. E a eternidade do dito.

Parar a significação. Desprezar a ideia.

Poema se faz com palavras.

Sentido é o de menos. De mais, o poema... ademais.

 

Falar para os outros ou para mim... por quê?

 

O que você ignore até em relação a você mesmo

o poema partilha com ele (isto é, com o poema).

O resto é fascismo.   

 

Cícero Felipe (de São José da Coroa Grande e sua mãe Dona Méry)

- grande poeta que foi – disse

ser possível escrever todo um livro numa noite.

Assim como Mallarmé escreveu O Livro.

 

Coisa morais e sociais não interessam. Só à prosa.

 

A liberdade do poema simplesmente ser é tudo.

 

Se tenho a Danzka e um senderos...

 

Ligar a Daniel Santiago três horas da manhã

e pedir fumacinha pelo fone não dá.

É melhor desistir do poema.

 

Insista. A melhor inovação

é sair do campo da tal comunicabilidade

(que atrasa e confunde).

E submergir na palavra.

Verbo não naufraga

Embora tudo seja naufrágio.

O que diria Neruda?

 

Deus é poderoso, mas não é presunçoso.

 

O céu já não tem escadinha, mas

elevadores  digitais. Vazios e velozes.

 

Da garoa da madrugada de hoje

no monte do Magano, eu e Cristo. Sós, como almas.

Antes, rodou Miltinho. Teimosa menina moça

e Meu nome é ninguém, homenagem a Ulisses

(e a Joyce, esse ficto hércules).

Agora o imortal choro de Altamiro

estronda no ventre da madrugada sem trégua.

Rio antigo, Saudade de Pádua, Aurora.

Tudo harmonia selvagem, como o poema.

Gozo. E sigo insaciado.

 

Não posso mais escrever. Os espíritos

de Rimbaud e CDA não permitem.

Sou alienado insone anônimo.

 

Se todas as amadas me deixaram

por que a poesia não?

 

Se não sou exortatório ou descritivo...

 

Se o conhecimento comum não me...

 

Por que morrer de amor? Por nada.

 

Cheguei à arte moderna da palavra, eis

minha desgraça.

 

Ainda bem que minha mãe era Deográcia.

(O que é rima  - e solução).

 

Invento formas... e técnicas invento...

Por isso não sou.

 

Tudo ao livre arbítrio da imaginação, tudo.

 

Porque a alma brasileira não existe, sou poeta.

 

Impagino nove ou dez poemas rotos.

 

A sombra redonda dos condados de Vertentes

aos domingos me hasteia hóstia

severa do Padre Oto (germânica bolacha).

 

Como posso viver em meio a essa gentil raça?

 

De heróis obsoletos.

 

Atirem-me dardos flácidos.

Panaceias mortas.

Hastas podres.

Auroras degeneradas.

 

Víboras ébrias amo. Sobretudo.

 

Bebo um copo de estrelas (francesas).

 

E cerveja muniqueira às tontas.

 

A lua ganga, nuvem sangram, álcoois domam

 

Espinhos ressuscitam, não botões.

 

Pássaros parasitam manhãs e corações.

 

Aurora mija luz.

 

Lâmpadas sepultas urinam no poema.

 

Tudo jaz inconcebido ainda.

Deus virá um dia criar realmente um homem.

E substituir esse arremedo do Senhor

 

(Fim do salmo 1: a criação do homem).

 

Adendo: quis que você ficasse bem gostosa, poema, essa alma da alma.

 

E volto a ler Borges

A traves de sus libros (pela 3ª vez)

 

                        À santa insônia, agradeço

                                                           26.02.2016

 

            As condições de trabalho poético pioraram, mesmo deterioraram-se completamente. O charuto necas, a vodka dinamarquesa (que se bebe sem gelo – não tenho geladeira, essa coisa antiquada) e sem aditivos cessou. Então...

            Precisão do estoque de senderos, de DS  ou Villiger Premium n°7 de Sumatra urgente.

            Nem uma gota nórdica (ou báltica) reservei para o fim.

 

Murilo Gun

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