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Dom, Jun

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Este é um conto inficto ou metaficto, pois é a realidade imitando a ficção, a vida copiando a arte-literária.

In casu, a questão da exigência de Deus. Abrindo parênteses, do ponto de vista meu, como poeta, diria que Deus errou, pois o mandamento deveria ser, Matar, e, do próprio punho divino toda a extensão, gravidade e punição severíssima e real da pena por cumprir o mandamento. Fecho parênteses. Apresentando o inficto conto, antecipo essa evidência oculta. Sou VCA, conheci o autor Vital Corrêa de Araújo, através de dois amigos: Cláudio Véras, há mais de 30 anos ensinando literatura brasileira em Heidelberg (onde Vital posteriormente também o conheceu...) e Odisseus Morales, judaico, perito em ouro, ourives fabuloso, que mora em Nova Iorque, ambos brasileiros.

 

Segundo Vital – ao convidar-me a apresentar esse seu trabalho – ele foi recomendado por Cássio Cavalcante – afamado antólogo e antologista e divulgador cultural do Nordeste do Brasil – que encomenda a Vital conto para integrar a antologia Os dez mandamentos.

Vital é suspeito pra falar sobre morte, pois é muito vivo. Sempre me leva a corrigir (e interpolar seus textos poéticos ou não)... e nesse caso não é diferente. Algo me faz apiedar dele, tão canhestro e inconfundível mergulhado em abismos absolutos, imerso em – como adoro dizer – labirintos vivos de oroboro.

Segundo Vital mo disse, este texto teve origem num amontoado de alfarrábios do avô dele – Manuel Florentino Corrêa de Araújo – poeta, jornalista, juiz de direito e algo delirante, porém solitário. Formado em 1923, pela magna Faculdade de Direito do Recife – da rede UR – Universidade do Recife, por onde passaram Castro Alves e Augusto dos Anjos, ambos basilares na consecução da obra poética de Vital Corrêa de Araújo, diabético e sonhador. TD. VCA. A propósito, Vital utiliza minha página no FACEBOOK ou Usina e – como ando muito – a administra.

NÃO MATAR... disse Deus.

Com base em fragmentos de um texto de 1915, procedo à reconstituição criativa abaixo.

“Como mandante, Deus comanda... mas nós, mandatários, quais políticos modernos, não temos obrigação pessoal de cumprir mandado de Deus...! Ou sim? Eis instalado o atroz e perfeito dilema humano, que atravessa a história e toda a eternidade. E o tal livre arbítrio, e a margem de liberdade (absoluta conf. Hegel)...? daí, minhas considerações preliminares, que junto aos autos do ser.

Primo: quem mata é o destino, não o outro (dificilmente a outra), embora aconselhe a minhas queridas leitoras manter distância do próximo (e mesmo da próxima)  ao máximo, na vida tão transitória... e bela, afinal, por que não!?

Isso aplica-se bem em especial ao Brasil, onde magotes de milhões de misóginos escapelan o coração das mulheres e os trastes da violência traém também, por fora. Jogam-se nos lixos da vida... tão brasileira e desgraçada... de hoje em diante.

Chego a sugerir a elas: faça sexo à Barbarela, sexuem com máquinas macias e amorosas, de vitalidade mecânica, quanticamente eréteis etc. Que tal falo quântico de átomos viris e enérgicos... ou pênis aloprados de marciano vinil...

Agora, começa o conto. Antes, anotem: a Morte é fêmea... e brasileira, como Deus que a criou, para conservar o homem bem longe, além da alma, inclusive. Indago: Não matar o quê? Ratos... como no romance do prêmio nobel ianque Homens e ratos.

Joadrex era um caso sério. Dede jovem, pensava no suicídio, porém – como magnífico cristão – se deparava com o divo mandado não matar. E especulava: isso se aplica a si também... no caso, a mim também, ele ponderava. Ou só ao outro?

Findou – embrulhado em tal embaraço – vivendo até os 86 anos. E, quando morreu, reclamou não ter cumprido sua sina de assassino de si mesmo. Queria mais tempo para isso. Morreu revoltado porque não se matou.

Trate a si como Deus manda tratar os outros. Cínico sofisticado, Joadrex, questionava os benefícios práticos das regras áureas dos mandamentos de granito, esculpidos em pedra (colocada no meio do caminho humano). Açoita e serás açoitado, matas e serás morto. Olho por olho. E autolinchar-se, como sonhava, qual consequência reativa? Quando a linchamentos, a lei é clara: dente por dente e os olhos da cara.

E o tudo o que queres que os homens vos façam (ou não), não o fazei (ou sim) também, talvez.

E, desse emaranhado, Joadrex não saiu bem. Não sabia nada de si nem do outro. Somente tinha consciência que o perigo residia nos outros.

Aí, chamo à colação (fala o personagem Ajaxial, que se intromete no conto, por deferência do narrador) Kant. E adito – aos tais autos narratórios, dos quais passa a fazer parte, à parte, o imperativo “não mate” do Categórico Deus – o que teria a ver tudo isso com pecado mortal ou moral? De imperativos categóricos kantianos, vive-se e bem. Bem o disse Lampe babá de Kant, imperativo é amaro, mas serve.

Se prego suicídio, adiz Ajaxial, e não o pratico, serei imoral? Então... cabe a leitores me desenganarem...

Não matar e perdoar os que matem... a benevolência como perversão, conclui o tipo. E se define: sou egoísta até o altruísmo. Saindo de cena (do conto vital)...

Retomando, Joadrex encerra essa infarta ficção, confessando. Já matei um cara qualquer. Para preservar minha vida e de uma amiga. E não matar, mesmo em legítima defesa da vida? E morrer por isso? Hein!

Posto ter lido este conto ainda em formação, o personagem (principal?) Joadrex comenta: nas preliminares ou nos introitos deste, alguém disse que quem mata é o destino... concordo que há algo que sobredetermina, escreve, mapeia o curso futuro dos eventos, instante a instante, de modo inexorável. Inclusive afia as armas brancas e oleia o gatilho, instrumentos da morte. Cleantos, filósofo grego, gritava: a sina (moira) guia, orienta, leva os que concordam com ela e arrasta os que discordam. Até presidentes corruptos obedecem aos mandados das moiras.

E se seu destino é matar alguém, como contrapor tal ao mandado peremptório de Deus? Como ajeitar as coisas brasileiramente corretas?

Por fim, leitora-prévia pergunta. Morte e vida são pólos tais que se, se inibe um, o outro enfraquece, incluindo o conto. Ou: se Deus eliminasse o mal (inclusive da morte, o que dispensaria o mandamento em riste, bem como este contônimo e toda antologia), não precisaria mais existir o bem... e a vida também.

NOTE BENE: Se você leu até aqui, o texto tá fazendo efeito. Do autor intrometendo-se.

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Murilo Gun

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