Todas as especulações da alma encontram abrigo na poesia, no sentido que desta forneceu Pound: a palavra em sua maior carga conotativa (não abstrata),
o verbo em maior voltagem de expressão, a frase impactada de súbita energia filológica. Daí, o poema rejeitar, para ser coerente com seu potencial expressivo (não comunicativo), toda e qualquer ordem ou tradição que carregue, vida afora da palavra. Não se mais admita qualquer pieguice malcheirosa, do tipo: poema só é o que faça leitor gemer ou muito choraminguar ou fazer minguar toda emoção. A confusão começa quando se objetiva ou tenta-se dar tema, assunto, lição ao poema.
Imagens poéticas não são decorações de bolos de aniversários ou recados festivos. Não servem para pedidos de casamento ou apimentamento de namorico. Não são filigranas flibusteiras: mas é essência.
A complexidade poética não é de caráter mecânico, mas orgânico. Cada poema é fragmento de outro... e qualquer outro é inacabado por natureza e definição. Então, cada verso equivale ao todo. Cada linha a uma Odisseia. Verdadeiramente, todo poema é inacabado e inacabável. Acabamento só para construção civil etc.
Tenho dois livros inéditos de monósticos. Poema de uma linha só. E mesmo um verso, acho demais. Busco o meio-verso. Monósticos de carbono constituem 700 poemas capazes de ser lidos em menos de uma meia hora.
E nada de ardorosa sinceridade: é pulha.
A justificação de um poema esta nele. Nunca jamais fora (daquelas ou daquela linha ou meia linha). Pelo contrário, é válida a mais ardorosa insinceridade. A organicidade de um poema é algo tão complexo que o coloca fora da literatura. Adversário da língua natural.
A propósito – e fora de propósito – a poesia de VCA é puro horror. É horrenda e horrorizável de rabo a cabo, do começo ao fim (embora o poema VCA nunca termine). Para entender de horror consulte-se o especialista e criador da categoria filosófica horror: Prof. e ensaísta e poeta honorável ou horrorável Alberto Lins Caldas.
O poema deve ressoar pela incerteza do assunto, insinceridade absoluta do autor e imprecisão verbal. Só assim ceifa-se no nascedouro qualquer esteriótipo. E desconcentração (aparente ou não) do poeta para desconcertar o leitor. Nos termos de inconcerto do inconceito. (Ah, que horror, Alberto). Objetividade zero, identidade zero esquerdo. Alteridade é vital. Não evite.
Adjetivos podres como vômitos verdes ou musgos decompostos. E tudo o que dispense emoção é bem vindo ao poema. O conteúdo do poema é a expressão. E esta é o poema. Nada fora dela. Evite, num poema, conferir lugar, tempo, posição, função, emoção à palavra. O que tornaria prosaico o poema. Ornamentos, só os inúteis. Filigranas, só as desregradas.
Vale coisa vaga, não valem coisas mecânicas. Ou exatas. Utilize o desexato. As oficinas de poesias (de hoje) deveriam ensinar como não fazer um poema, do ponto de vista delas. Seria fantástico e produtivo para a literatura poética brasileira, daqui pra diante. Isso salvaria o futuro da literatura brasileira, sem dúvida: desensinar poesia. Explore bem o irrelevante, que pode ser bem revelador. Nada de bonito, acalentador, emocionante, úmido, certo, ameno bote no poema.
Poema é expressão, porém expressão sob a ótica poética nova. Na forma da expressão reside o possível significado do poema. Que deve conter-se no poema. Qualquer mensagem marginal ou algo que extravase do poema serão proibidos.
Porém, nunca esqueçam o big Pound: A grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado em mais alta voltagem conotativa. E significado aí não é mero e vulgar sentido: é todo o poema, toda a poesia.
Daí, a impessoalidade ser vital ao poema – e não algo pessoal, como os poetas d’hoje o fazem, tornando o poema mensagem de ira, amor, moral, política e tal. Uso o VCA para evitar e afastar pessoalidades que nada têm a ver com a poesia. O que interessa não é o poeta, mas a poesia. Já adotei outros e muitos pseudônimo para assinar poemas, inclusive um pequeno livro, como Victor Carres.
A boa poesia é dura como o cristal e afável como uma cascavel. É econômica e farta, breve, porém veloz (como diria CDA).
Fazer um poema é permitir que a palavra siga seu destino filológico, sua sina verbal, até o enfim. Ou stop. Que é só o começo de novo poema. Ou é dar destino à palavra na senda da página. É afastar-se do mundo desumano e das coisas mecânicas. Descarte-se no poema de sulcos ou marcas newtonianas ou de coisas cartesianas.
A poesia, dixit Pound (e endereço o dito ao mago e guru da arte Daniel Santiago), é uma espécie de matemática letrada, que nos dá equações, não de figuras abstratas, triângulos, esferas e cia, mas equações das emoções humanas. Ou inequações afetivas.
Encerro o texto chamado à colação Eliot.
“A emoção da arte poética é impessoal. E o poeta não pode alcançar esse estádio de impessoalidade sem que se entregue espontaneamente à obra a fazer, ao poema”.
“A poesia não é deixar a emoção à vontade, mas a poesia consiste numa fuga à emoção. Não uma expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade”.
A identificação do poeta (ser físico e psicológico) com o poema (ser metafísico e transcendental) é vitalmente prejudicial (aos dois). A alteridade é o signo da poesia. Assim como a aridez da alma. O resto é literatura. Ou sorriso complacente da sociedade.
Adendo: o cara cheio de amor no coração, alegre como uma patativa amarela, querendo bem ao mundo, “as coisas da natureza, com vontade de beijar os amigos, de abraçar a vida, de gritar eu tô feliz, a vida é boa, amo todo mundo... este cara não tem a mínima condição de fazer um poema, e, se o fizesse, seria certamente sem dúvida o pior poema do mundo, apenas um traste de palavras felizes lançado como vômito infeliz no mais infeliz ainda papel.
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