Se poesia se faz, faz-se com o mínimo de palavras mínimas de sentido máximo, então... viva a filosofia do irracional absoluto, que abriga (e obriga a se expressar)
a essência do id, porque cada sintagma vitorioso é uma purga desinfetante para o intestino da palavra (do verso salubre) e o verbo existe, porque o curaram poetas fazedores. Poesia é fazer, não apodrecer o verbo.
Pois poesia é modo de bom usar a palavra (puella mea do poeta) para indizer tudo o que não seja óbvio, estabelecido, passivo exatamente. E tudo indizer é dizer nada ou não ousar dizer, porque se quis (tipo dí-lo, porque quí-lo).
Ao inverso da prosa, verso é o como indizer coisas verbais (ao extremo).
O viço (e a têmpera sem cansaço)
da fúria poética não vem do tenro calor
da palavra, mas da frágua viva do verso
da prometeica brasa criadora, fogo verbal
do ventre da vida da língua (ou palavra)
do precipício e da borda
irrespirável do vulcão O. Marques
da gusa da lágrima vertida em moldes da alma
do verbo vertiginoso acrobata da página.
Da lua ovalada (ou vulva enluarada) vem a poesia
do ovário do céu fruto escuro
(que Pather Hermes iluminou
do divo sêmen, dando a unção hermenêutica
ao cio verbal).
E das abissas entranhas da luz quântica
vocábulos de sombra alquímica arrancou
sem fórceps de sílaba ou chuços de rima
(só vezos de poesia).
Das ágeis águas originários e miletas da poesia
úmido canto veio, viço quântico veio
minação de verbo vital e renhido
verbo de barro vindo do barro do verbo.
Que bendito indito o poema!
Sonoro fonema ao ser da palavra amalgamado
para exato indizer o que dizível virá
a prosa dizer despudorada ou não
(ou indizer o que de dizível diga a prosa)
cósmicos estilhaços de silêncios e letras
poeta lança (incerteiramente) no espaço
da cinza lauda com fúria de sentido e som
que hesita e ali no corpo ainda ázimo
do papel sílabas instila (hiato desliza)
aliterando vocábulos, acasalando consoantes
extraindo do silêncio absoluto e apto
musicalidade verbal irrecusável.
Enfim, começa o sal do salmo da alma
enfim conheço a seda do espírito salino
então o ato da palavra poética ritual
e absolutamente desencadeada na página.
“Poema não diz – dixit Baudelaire, nada
pois nada é, ou melhor, é tudo”.
ADENDO
Ao arrimo da rima – esse muro ou interruptor que detém (ou interrompe, descontem) o imaginário poético humano – oponho a liberdade que jaz ereta sob o fardo genitivo da palavra (É O. Paz na livre luta pelo poema, prélio divo da palavra. com o que elas, as palavras ainda não disseram). Oponho o descompasso, a ambiguidade oponho, o paradoxo total, a assimetria hermenêutica vital, a maiêutica criativa, o tônus irrazoável, o eflúvio impassível, a impossível medida, trena ambígua, arbitrio vital e a paixão infinita pela palavra-em-poema.
Oponho o romaneio e todo o credo luxurioso, todo o incrédulo estribilho, o avesso da luz, o brilho dos matizes e a erma fecundidade do verso medido (ou enfermo) e todo o coro das vezes contra o unívoco verso prosaico consentido oponho. Oponho a moira ao claro trovar poético. Oponho o coro dos ossos, não das vozes, contra o poema combalido, que é o poema brasileiro a estertorar em campo aberto.
NOTA VITAL
Quando Eliot dixit: não existir verdadeiramente verso livre (VL) “para quem o pretende para tal”, estava a dizer: o verso é liberdade para quem não pretenda escravizar a imaginação, estaticamente dirigí-la à moda aritmética, reduzí-la a dígitos, numa desiluminação da lâmpada pitagórica a modo de treva. Eliot foi só mais uma vez nova-mente irônica voz (e em sua falácia escorregaram os poetas brasileiros - com exceção de quem – ou quens?).
O VL whitmaniano é vital (não letal). Cabral, Bandeira, Murilo, Jorge, Cecília, se não foram imedidos do verso, foram sim descomedidos da imaginação.
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