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Sáb, Jun

Ensaios
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vital corrêa de araújo

Por longas noites auscultei a palavra de César Vallejo. Certos vinte dias ensimesmei-me (fora de mim) na Biblioteca Borges. Esta, instalei-a em três sítios. Primo, na rua Joaquim Branco, próximo ao Shopping  Boa Viagem, ao lado do Hiperbrompreço. Nela, somente eu e Gun – com 5 anos, tínhamos acesso.

Lia sem cessar os Poemas completos de Vallejo, tradução de Tiago de Melo, edição presenteada por meu irmão mais velho – Gerardo Mello Mourão (o mais erudito dos seres brasileiros que conheci de perto).

 

Lia César Vallejo – o peruano magistral, cotejando-o com outras passagens ou estações da alma, projetando essa poesia inimaginável no futuro. Ao mesmo tempo, hiperativamente lia 2 ou 3 livros de ensaios sobre Vallejo - e me sublimava.

A originalidade daquela poesia (do peruano sublime – que vivia miseravelmente em Paris) e a expansão mental que me proporcionava fizeram-me devoto de Heraldos Negros, Poemas Humanos, Cálice e Trilce. Trilce, nem Neruda das Residências (ou Altazor) alcançou. Foi no cálice de Vallejo que bebi, em haustos largos, a melhor poesia – e me embriaguei longamente (até hoje) desse estro monstro.

Em meu poema se revolve (e sulca suas páginas) Vallejo, ossos e espírito do peruano soberbo – que morreu em plena miséria, em plena Paris – no escuro. Comunista por fé no futuro humano, puro como a poesia que gerava, Vallejo viveu aberto à veia da vida e foi mestre da palavra, demiurgo do verbo humano. A ele, dedico o poema.

Choro por ti Vallejo lágrimas cruas

despejo sobre memória larga de teu nome

lágrimas de gusa, pranto intemporal

ódio de ferro aos que te mutilaram a palavra

e doaram escárnio ao mago do verbo.

Não bastaram os caudais que rolaram

por Federico e se juntaram a tua dor

poeta maior absoluto

imperecível como teu canto

de revolta da esperança

de amor à humanidade crassa.

Nunca titubeou a ternura vallejiana

ancorada em verso sem limites de dor e amor

nunca a força do estro de Vallejo se esquivou

de ser arauto do humano integral.

 

Há em Vallejo (e eu o encontrei) uma definição interior de arte literária que se propagou entre os melhores poetas do século. Gerações se embeberam de Vallejo (alguns inconscientemente, até).

A mais sonora corda da vida, o silêncio mais úmido e vivo, o grito mais largo e eloquente que o verbo possa, a verdade mais sem sombra, a certeza do ser óssea. A plenitude da palavra – a palavra poética assemelhando-se à religiosa – faz de Vallejo um poeta muito além de seu tempo mesquinho, e o leva ao terceiro milênio, em cujo átrio desponta como exemplo da poética humana avançada. É César Vallejo um poeta absoluto.

Reuni vasta bibliografia sobre César e algum cerca de 50 volumes críticos, que me conduziram – junto a Borges e Neruda, com Lezama e Perse, à época, 1980, à poesia neoposmoderna (desde o 1º livro publicado: Título provisório).

 

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Murilo Gun

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