ao filósofo Reginaldo Oliveira
O século XX foi pródigo em violência, guerras, mortes, holocaustos, extermínios: Hitler, Stalin, Mao, Kmer Vermelho, Pinochet, Franco, Salazar, muitos desses totalitarismos violentos, desmedidos foram edificados, postos em sádica prática em nome de utopias, progresso social, purificação, aperfeiçoamento do humano, etc.
Esse encarnecimento, essa matança, em nome da utopia, do sonho, do futuro, da verdade política, econômica social, gerou na sociedade brutal desconfiança, descrédito das utopias. E em seu lugar veio o desencanto. E o desespero. A falta de rumo, o medo do futuro, a descrença no humano. E, para fechar esse buraco negro, o consumismo, a desfaçatez da riqueza a qualquer custo. O império do desumano. O vórtice do desperdício. A indiferença. Há sido inoculado no homem a suspeita do utópico, o insuperável rechaço do mediato, exigindo-se a realidade imediata e crua, direta e literal. Tudo isso leva à obsolência da ética, ao desprezo do que seja humano, demasiadamente humano. Ao alheamento de tudo o que seja humano.
Os que se resignam à atual e deficitária e deficiente e incompleta condição humana são elogiados, tais quais os que investem contra a verdade do ser e se devotam à usura do sido.
Segundo Thomas Mann, o excesso de lucidez causa a náusea do conhecimento. No entanto, em nosso triste tempo (filosófico... e brasileiro), o que falta é lucidez. A condição humana não é mais solar, é noturna. Há uma crescente fossilização das fontes criadoras e do entusiasmo de ser. Se, como hoje, estamos condenados ao progresso, também estamos destinados ao decréscimo crescente do ser humano. Se estamos condenados à ordem estabelecida, ao capitalismo antissocial, ao inumano viver de aqui agora, também estamos direcionados a testemunhar o enterro da utopia... e a vivermos a preparar as exéquias de nós mesmos. Hoje, urge não ser humano, porém ser detentor de dólar. O necessário é possível. O impossível é necessário.{jcomments on}