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Atribuiu-se o apodo de vanguarda às várias correntes artístico-literárias iniciadas na Europa no começo do século 20, lançadas atravésde manifestos, como o da literatura futurista de Marinetti, o da escultura, de Boccioni, o santeliano, dos arquitetos (Sant’Elia), o manifesto do teatro sintético, o dos músicos e da arte dos ruídos, entre tantos.

 

 

O objetivo era fazer tabula rasa do passado e construir, sob novas formas, o futuro.

A extrapolação deveu-se às influencias extracurriculares do industrialismo, querendo impor formas e conteúdos às artes, especialmente à literatura.

A impossibilidade absoluta era fazer da literatura universal, desde Homero até Machado, terra arrasada.

Na arte, em termos estritos, o século XIX fora apagado, deixando-se levar placidamente pelo figurativismo realista, sendo louvável e necessário o choque do cubismo. Na literatura, o surrealismo, o cubismo na poesia, foi crucial, para acordar os poetas do sonho parnasiano ou do lodo degenerado do romantismo hipócrita. Ambos tardios e plenamente anacrônicos.

No início do século XX, com o modernismo, a prosa de ficção enfoca os vários problemas do homem moderno, que sofre as conseqüências da industrialização. A narrativa sofre transformações (e deformações), tanto nas formas estéticas, quanto no conteúdo ideológico.

A nível mundial, surgem ficcionistas, como Hemingway, John dos Passos, Faulkner, Pavese, Moravia, Steinbeck, que incursionam numa narrativa objetiva, representativa da realidade, mas sem os compromissos ideológicos do realismo socialista, segundo Lukács.

No Brasil, os reflexos dessa estética, chamada realismo crítico, que Bosi classifica de tensão crítica (em que inclui Graciliano) e tensão íntima (Otávio de Faria, Lúcio Cardoso e Autran Dourado) alcançaram escritores de uma surpreendente safra criativa.

A vanguarda literária brasileira, no campo da ficção, teve, entre os seus maiores representantes, os escritores nordestinos, entre eles, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Jorge Amado, José Lins do Rego, Osmar Lins, Hermilo Borba Filho, Raquel de Queirós, entre outros.

Graciliano, político combativo, jornalista, humanista, tornou-se um narrador arquetípico, graças a um estilo ímpar, sem concessões, sem desvios ou titubeios. Firme em sua opção ideológica pelos oprimidos e pobres, pelos abandonados e orgulhosos, buscou explorar o tema da revolta, da exploração, da miséria, da exclusão social como diríamos hoje, mas sem incidir no naturalismo ou realismo ingênuo, nem sem entregar-se a utopias políticas, ou poetisar sobre a vida seca e dura que sentiu.

Graciliano viu na pele as estruturas opressivas, sabia da condição dos miseráveis, impregnou-se da angústia existencial causada pelo meio físico e hostil, acúleo e árido, e pelo sistema sócio-político-econômico injusto e impiedoso e essa visão refletiu-se em suas narrações.

A mundividência  humanística enraizada numa paisagem miserável, num clima politicamente árido, gerou romances tutelares como Infância, Vidas Secas, São Bernardo, Caetés e Angústia, obras primas que, à imagem de Camus e Steinbeck, dariam certamente a Graciliano a láurea do Nobel, se tivesse vivido noutro país e produzido mais.

John Stenbeck, que viveu 60 anos como Graciliano, autor da obra-prima As Vinhas da Ira, refletiu em suas narrações o drama dos miseráveis, expulsos da terra, perseguidos, desamparados, do sul dos Estados Unidos.

Não há um estilo acabado, aparente, em Graciliano, na acepção de algo recorrente, em termos de arcabouço dos enredos e arquetipia das personagens, ou seja, o triunfo do estilo, ou sua marca indelével como em tantos outros romancistas.

Refletindo paisagem e estrutura sociais, como Jorge Amado, Graciliano é mais objetivo, conciso, direto, trazendo em riste uma visão dialética do mundo, do homem, da sociedade.

Como narrador é geométrico, fratural, anguloso e realista, embora necessariamente arquetípico na criação e caracterização das personagens.

Segundo Bosi, a matriz de cada obra é uma ruptura, não uma continuidade.

Ele compõe não um ciclo romanesco, como Amado, mas um descontinuum de romances, em que cada obra é prima e ímpar.

Com flashes, focos ou enfoques de momentos vivos e universais da natureza social do homem, Graciliano dá à luz narrativas díspares e superiores como Caetés, Angústia, Vidas Secas.

A paisagem – natural e humana – é captada, apanhada, não retratada ou filtrada, à base de recordações complacentes e langorosas, do ângulo de um alpendre sertanejo ou do ponto de vista de um mourão no centro de um curral plantado. E flagrada em tomadas ásperas, aparentemente improvisadas. A escrita de Graciliano Ramos guarda, mutatis mutandis, grandes analogias com a narrativa cinematográfica de Gláuber Rocha.

Imerso na economia cabralina de meios e cifras de imagens, Graciliano adiantou-se à mais moderna ficção, foi precursor do ultramoderno romance francês.

Angústia é romance existencialista, de vanguarda, que fez escola e seguidores na literatura brasileira.

Vidas Secas mostra a saga de uma família de retirantes da seca, do vazio, da crueza do meio e do homem, tangida pela miséria e pelo mormaço, como em Vinhas da Ira, de Steinbeck.

Em Vidas Secas, o narrador ou o ponto de vista é a natureza e o ambiente social hostis.

O meio espinhoso, esgarçante, desagrega o narrador central e, da mesma forma que arrosta e arrasta os destinos inúteis e marcados dos personagens, arrasa, quebra, como gravetos, o fluxo e o eixo da história, antes centralizados na terceira pessoa.

Essa inovação magistral e inédita, como assinala Bosi, é digna de gênio, do romancista que – se a morte tivesse permitido – alcançaria o pódio Nobel, certamente.

 

 

 

 

Vital Corrêa de Araújo

Presidente da UBE

Murilo Gun

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