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Dom, Maio

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            Um das regiões mais fustigadas, desveladas, com imperícia, talvez, mas com cautela, astúcia, desvelo ou excesso, sobretudo método (Freud, Jung), é a da alma, esse confim, iluso ou não, real ou apenas pressentido, hieroglífico lastro, escuro ou sujeito a golpes de lenta – e bruta, claridade ou veloces lampejos abissos.

            À literatura, como à ciência psicológica, cabe parte ampla dessa bateia pela pérola ou ganga do inconsciente, região vital da alma.

            As escavações do espírito (pelo espírito) são fundas, plenas, ásperas, difíceis, mas vitais ao irrestrito desvelamento desse mundo infinito; ao cabal entendimento do humano, pois no si e no em si estão o sopro e o mundo comungados.

            Proust, Stendhal, Tolstoi, Joyce, Machado de Assis, Gilvan Lemos, Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque, Carrero, Osman Lins, entre alguns poucos, são peritos na escatologia da alma ou saturada mineração do espírito. Porque se escavam a si mesmos sob luz difusa, baça mas essencial da memória. Mineram a alma, apuram a ganga do espírito à saturação.

            O homem no mundo apenas desdobra o eu (em coisas, sonhos, dúvidas, feitos ou malfeitos, na acepção dilmaniana vigente, boas ou más realizações). O mundo é o cenário da vida, que é desdobramento do eu (com todas suas mazelas, fendas, objetos, integrantes).

            Tudo advém, portanto (ou no entanto) do mundo interior. Premissa que valoriza bem o solipsismo berkleyniano.

            Mas que é tão vasto mundo inferior tão demasiadamente humano?

            É esse cosmo maior, âmbito celeste do si, império do esquivo, antro do falso, domínio do mais fundo, teatro do ignoto que luz, reino do interior escuro da serpente que é a alma humana. Alma composto do id e suas convulsões, gostos, gestos (mau gosto, maus gestos), rebeldias, ambições, excessos, timidezes, asperezas, ternuras (furiosas ou não).

            As pessoas diferem mais pelo interior (ângulos, nuances arteiras, colorações, faces cruas, rostos íntimos encobertos ou não); diferem mais pessoas entre si pelas vicissitudes, aventuras, périplos temerários da alma do que pela fisionomia, posturas (ou imposturas) do corpo.

            Muitos de nós, meros humanos, somos arrastados pelo demônio que jaz (e opera) a máquina do em si fora de si (de nós), porque, além do mundo real, aparência corporal e sentimental que encobre o virulento e incontrolável império da sombra, da jurisdição do id, está a necessidade de ser aparência.

            Outros criam uma segunda realidade (patológica diferente, necessária) a que antepõem (salvífica e terapeuticamente) a primeira, a do mundo.

            Só a poesia calma porque liricamente administro com relativíssimo sucesso o id, é (ou apenas se considera gestora, bateadora, acessária) desse abismo de luz e sombra e fundo infinito. Se a poesia gere o id, se assim ela gera o poema, este traz dados do id (do poeta e do leitor que nele se reconheça ou se identifique). E é isso que torna a poesia algo adita à alma não ao sentimento, que é do campo exclusivo do ego.

        

Murilo Gun

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