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Qui, Abr

Sobre Poesia Absoluta
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Porque nominei de absoluta a nova poesia neoposmoderna – e por efeito os seguidores dela seriam poetas absolutos

(e o são, em contraste com os poetas relativos), um cronista ironizou: ‘’um cara se diz poeta absoluto, subindo e descendo as ladeiras de Garanhuns’’, e, citando Hegel e o espírito absoluto, criticou o apodo vital e disparou: absoluto é adjetivo inalcançável pelo homem. Que o homem não alcança adjetivos, mesmo cronista anacrônico substantivo.

 

Ao precipitado (digo precitado) cronista, aplico Wittgenstein: ‘’se não se sabe o que falar, que se cale’’

No entanto, li o HEGEL, de cabo a rabo - e anotei, de Roger Guaraude, mas a base da poesia absoluta – desde 1985, é Wittgenstein, o filósofo que até Bertrand Russel estranhou (e não se relacionou com sua mulher – como o fez com a de Eliot, porque W era solteiro).

A poesia deve apenas sugerir (Mallarmé), representar e não explicar (Goethe) ou apresentar – e nada explicar ou descrever (Wittgenstein). Deve-se mais observar a  linguagem do que usá-la. Aí entra a fatia de vita contemplativa ou bíos theoretikós, o absoluto poeta olha, mas não vê senão a essência (o âmago)... e nunca o acidente (o inessencial ou circunstancial).

O aspecto hermético, esfingético, devorador, estranho da poesia lírica contemporânea é que, (conforme uma das máximas da concepção de compreensão de Wittgenstein), não se pode falar de verdade acerca de nosso próprio interior (eu íntimo), ou seja, acerca de nossas próprias intenções, propósitos pessoais, motivos (psicológicos ou não). O íntimo não se publica, sentimento não é poético. Para ler um poema absoluto – e chegar ao ‘’absoluto’’ dele, é preciso estar fora dele e fora do ponto de vista (muitas vezes pobre) do poeta. É sair do relativo, qualquer que seja. Parto daí para estabelecer o sentido lírico. Eis o dado propedêutico basilar para introdução do leitor na seara do absoluto poético. Sua maiêutica).

Não como Rimbaud (que jamais voltou), mas tal qual Valéry, W. afastou-se da filosofia, fez silêncio filosófico por 10 anos, desde que terminou Tractatus logico-philosophicus (1919), até 1929, quando iniciou Investigações Filosóficas – veja-se a modéstia do título, após, portanto, os 10 anos de silêncio filosófico do Tractatus. E seu grande livro só foi publicado postumamente em 1959.

O caminho do Tractatus até chegar a Investigações Filosóficas, é tal como se ele escrevesse – e pensasse, de dentro do ID. Ele dirige sua crítica filosófica ao ponto de vista acadêmico, tal o faço, opondo o poema absoluto ao pensamento poético relativo da Academia (em termos latos).

Enfatizo: do interior idítico, corpo vasto, quase infinito, mar íntimo, contraposto ao átomo e ao cosmos, emerge o poema absoluto.

Por outro lado, parto de uma visão ou concepção do mundo completamente formada e consequente (Weltansshuung), o que é vital para alguém se propor à poesia. Sempre arguo: como se pode fazer um poema, sem conhecer todos os mais de 20 poetas que, no século 20, ganharam o Prêmio Nobel de Literatura, pela obra poética? Salvatore Q., Seferis, São-João Perse, Elithis, Vicente Aleixandre J.J. Jimenez, Neruda, Eliot, Paz, Eugenio Montale todos nóbeis, além de Jorge Guillén, Murilo Mendes, CDA, Pound, Lezama Lima, Borges (que mereceriam a láurea escandinava).

Sem dúvida, há uma nuance solipsística na nova poesia lírica. O leitor absoluto adentra a fronteira extrema do entendimento – ou do mundo da poesia, para estar no interior do poema e poder olhar de dentro para fora – ou olhar de dentro o poema como que de fora dele (que está).

O poeta deve buscar o emprego menos original possível da linguagem – original, não no sentido filológico, mas do emprego banal dela.

Trata-se de reconduzir a palavra a seu casulo metonímico e uso sinedoquítico, e dela extrair – como o bateador do ouro, toda sua prata metafórica e significados escondidos. (não escandidos).

E os temas menos temáticos (no sentido em que se usa temático hoje) possíveis.

Enfim, contra o uso social da linguagem atrasado. A poesia absoluta pretende acicatar, despertar o leitor do sono ideológico da usura, usura, usura.

A busca maior é fazer com que as pessoas deixem de estranhar ‘’a poesia estranha’’, incorporem a seu mundo esse universo de significância absoluta essencial ao humano, ao demasiadamente humano, até. Que eles não estão de fora, que poesia não é difícil... e que o complexo é bem vindo (o cérebro agradece).

Não se assuste, se não ‘’entende’’ de imediato o poema absoluto. E que não é para entender imediatamente ou aprioristicamente.

O que choca de pronto é que a poesia absoluta censura os princípios basilares da poesia acadêmica, despreza e critica toda parafernália versificatória e visa a demolição dos arsenais rímicos todos. Obsta toda a visão acadêmica da poética, os ideais de definição conceitual, os espasmos descricionistas, a justificação última do posneoparnasianismo e objetiva a afundação das certezas poéticas alicerçadas no século XIX (atrasadas então), bem como promove a ereção de nova poética, verdadeiramente nova (priapoética).

As investigações poéticas, que professores e acadêmicos de Letras e História da FAMASUL projetam e já executam, pretendem impor o novo conceito de poesia e lirismo, sem recuos ou hesitações.

É na indeterminação da imagem em geral (ou em abstrato) que se move a poesia absoluta. Impecável e resolutamente para sua finalidade absoluta.

O mecanismo imagético da sensação particular, estabelecendo um padrão, gera um arquétipo, de que a imagem é a concretização.

A imagem em particular é determinada (e pessoal) e somente via poesia é universalizada, alcançando um nível de indeterminação que a faz legítima ou genérica a concretizar-se no poema.

A determinação da imagem num poema demonstra sua singular fraqueza.

A determinação imagética libera a possibilidade de determiná-la e demonstra sua historicidade. Porque a particularização de algo torna-o transitório e insucessivo. O permanente é antihistórico.

A imprevisibilidade da ‘’mensagem’’ (ou conteúdo) que a forma absoluta poética contenha (ou melhor, incontenha, seja incontida) é vital ao poema absoluto. O poema meramente informativo (não formativo), elementar, relativo (que tanto se pratica equivocadamente) requer sinais claros e indubitáveis – i.e., inequívocos e bem previsíveis, para o ‘’bom’’ entendimento do ‘’poema’’ pelo ‘’leitor’’ (elementar). Mesmo que algo seja aleatório na ‘’informação poética’’, a capacidade cabal (sic) do leitor antecipa ‘’o que o poeta quis dizer’’, reduz, e tanto, a imprevisibilidade da mensagem. O leitor é mero receptor da mensagem verbal (moral, sexual, política).

Pode ser previsível a dificuldade, se o leitor for leitor... e não mecânico receptor.

A aparente redundância do poema absoluto, reiterando sintagmas, é na realidade algo antirredundante, mesmo irônico.

É especial, na poesia absoluta, mesmo essencial, a ação de forças do acaso (tipo de caos) na criação de sintagmas (estranhos, porém originais), que demonstre o potencial da linguagem que a poesia elementar tenta bloquear. O mecanismo de encadeamentos longos, irracionais aparentemente, jamais vistos ou escritos, é o dínamo criativo da linguagem poética absoluta. É tal usina em que o demiurgo poético siderurgia o poema futuro.

O verso aleatório, autocriador, à medida que avança, o contexto verbal se precisa. Porque a linguagem é viva e infinitamente capaz de novos e estranhos sintagmas. No caso, o acaso da palavra no poema se combate (ou se completa) com o acaso da criação verbal. O imprevisível vai se concretizando no poema, alicerçando assim a melhor poesia.

No esboço de ensaio (publicado na revista SINGULAR): A entropia da palavra poética, realizo o que o filósofo Mikel Dufrenne chamou de paralelismo entre o tratamento estatístico da macrolinguística e a termodinâmica dos gases. A entropia define a degradação de um sistema, a atualização (o poema) e o sumiço ou consumo da energia potencial (a práxis da inércia)... com o retorno à desordem... o que não acontece no caso do  não-poema arrumadinho de rimas e preclaro, mais do que claro perfeito. Daí, porque cada poema absoluto é singular e imprevisível – mesmo cada verso do poema o é (ou seja, quiçá). É o logos inserido nas  coisas que a poesia absoluta revolve, prospecta.

Como parte da natureza, a poética não entrópica (neutra) reage e se defende comocionalmente, contém nivelamentos, limites de piso, tudo que a condene ao que é, será ou foi – e não a liberte ao que será (direção vital): A palavra em liberdade de Paz e Murilo Mendes.

O poema não pode ser efeito de emoção, resultado de ‘’inspiração’’, produto do sentimento. O sentir ordinário é algo pessoal e intransferível, que a ninguém interessa. Só ao umbigo do ‘’pensador sentimental’’. O papel da palavra poética é inesperar. Eis o campo da apalavra. O poema absoluto não é aleatório, porque as palavras, nele, são motivadas pelo estilo singular e pelo dínamo criativo que o poeta opere. Não é circunstancial, porque as palavras nele vêm do id direto. Em suma, poeta não deve ser inspirado, mas pirado mesmo.

Ao estruturar, pôr à letra o poema, o poeta não pode se louvar em meras questões de sentido. Se coloca o sentido como alvo (dizer algo) será prosaico o poema. Poema se faz com significantes, nunca com significados. Vide Mallarmé.

Como é linguagem, basta ao poema que ele diga, pouco importando o que diz. (MD).

Daí ser elenco da poesia absoluta a incomunicabilidade patente. A comunicabilidade é outros 500 – e do âmbito da informação.

Na prosa, a significação segue uma lógica rígida que foge ao (des)controle da imaginação, toda uma estrutura explícita se organiza sob gáudio do ego, ao contrário da poesia que se enraíza na própria natureza da palavra, quando ainda não veiculava informação bursátil, quando era do âmbito do FIAT. Na poesia, as palavras escolheram a liberdade, desprezaram o jângal da gramática, romperam os elos carcerários da sintaxe, movem-se na página como peixes na água, espalham-se como palha de espantalho, desorganizam toda  a banalidade. Todo o sistemático e qualquer identificação positiva da realidade tal como aparente (ser).

O mais impressionante é que – conforme o filósofo Mikel Dufrenne, devido à conturbação sintática, a poesia aumenta a quantidade de informação (extensão), pois quanto mais ruído, mais se afia o entendimento (compreensão), mais se buscam novos e inusitados ângulos jovens (hermenêuticos), de captação da esfinge total. Ao baço da prosa, a poesia opõe o brilho da palavra enigmática e prenhe de significados insuspeitados. Compreensão hermenêutica (o que reduz a extensão lógica)

A explicação de Dufrenne é que a sintaxe, por sua rigidez e coerência, aumenta a redundância do discurso, promove o previsível, encanta a razão (distorce o desentendimento).

A poesia cria o imprevisível, o ainda não dito, estimula o invisível patente, surpreende-nos, confunde-nos, apavora o humano, dilatando seus limites.

O mundo humano dirigido e detido pela palavra prosaica determinada é estendido, dilatado pela palavra poética selvagem (e indomesticada).

Livre das peias dos significados precisos, óbvios ululantes, o poema amplia a significância, porque abre novos meandros e vertentes desconhecidos do entendimento. O dínamo da poesia é a expressão, não a informação, é a forma, não a mensagem pura, em si, mas a expressão, o modo particular ‘’poético’’ desta expressão.

Leitor, que arque com essa mediação formal, que produza uma concepção das coisas, do ser, do mundo, da vida, capaz de ir ao íntimo da mente, que é o id, para desse dínamo extrair os dados que construíram o poema, será privilegiado com a captação da beleza da palavra.

 

ADENDO

 

Para ilustrar a indelicadeza e a não instrução de ousar definir o absoluto num mero e simplório verbete de dicionário popular, assim tratando-o (ao absoluto) com desimportância  e relativismo, chamo à colação Hegel, o magnífico Hegel.

No começo do século XVIII, em Iena (Jena), Hegel, ao ver Napoleão passar, disse para si mesmo: ‘’Eu vi o Espírito Absoluto passar a cavalo’’. Anos depois, quando Napoleão tornou-se relativo, isto é, absolutista (títere), Hegel sabiamente o renegou, fanaticamente.

Na realidade, Hegel dissera: Vi o absoluto do espírito humano desfilar num cavalo (branco), meio de locomoção nobre à época.

Mutatis mutandis, aplica-se luvamente a situação descrita à poesia absoluta. Só os meros relativistas, se esguelhariam, se escalpariam (a si mesmos), se ergueriam tão baixamente contra o absoluto na poesia, contra poeta que se dissesse (e o provasse de obra) absoluto. Absoluto, porém não absolutista, isto é, único, ímpar, o que seria soberba suprema. Hoje, pululam poetas absolutos, contaria facilmente 30 (1 em Garanhuns, 1 em Recife e 28 em Palmares).

Outra nonada (e o pulso da feroz ignorância) é misturar o absolutismo político (os luíses franceses, os hitleristas de hoje) com o absoluto poético.

É títere portanto acoimar de adjetiva tal substantiva poesia. Nada mais. TD.

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Murilo Gun

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