A poesia é uma pletora de desinformação. Assim
ela dá sua maior contribuição a um mundo
estraçalhado de dados, vulnerável ao dígito
fisgado numa rede (física, mental, virtual) de informações.
O poeta parece com Deus: cria do nada.
O poeta mexe com a física do sonho. Ele une
a substância(ou a semente de Carpentier)
E sabe ser o sonho a própria e vital
substância da realidade.
Armado com uma imagem o poeta é o real
paladino de nossa era. A desomumizar
o estabelecido para sempre. O poeta
poeta demole épocas inteiras. (Ver Joyce
Perse, Pound, Eliot, Dante, Murilo Mendes).
O isso de Freud, a sombra de Jung.
A realidade ou aquilo segundo H. Miller
que brota o tempo todo da morte e desintegração
poeta compulsa, distende, engrenha, organiza
(do caos do mundo entende em especial).
Segundo Herry Miller, Edgar Varèse
provou que a imaginação é a ultima palavra. E
não morre.
Miller distingue fé (que é criadora, firme
permanente força humana real) e entusiasmo
(algo transitório, que vem de fora para dentro).
A força sobrepuja a energia do entusiasmo.
O haver do homem sustenta o mundo com suas veias e crenças.
E as veias do mundo, as coisas exatas ou não
Deus fê-las para o deshaver do homem. Embora eles
não saibam disso ainda. Até quando, ò bruto ser
deixareis o homem insabido de Si?
Os (maus)ditos poetas de agora usam a energia
sonora da poesia como moldura de formas
vencidas. Os buracos nas palavras são grotescos
abismos brancos, resistíveis, ocos como coração.
A música da poesia é aérea, tipo pássaro
de parco contato com a terra.
A poesia hodierna no Brasil
é tipo pedra, ferina, palatável
inocente, recitativa, adjetiva
recalcitrante como bromil rimando com céu de anil
ou bombril.
Não mais ensoamos a palavra
no poema como antigamente
agora suamos no labor aritmético
da contagem exata das sílabas:
deixamos de ser pássaro, para ser ábaco.
A pansonoridade morreu.
O pleroma do tom enterramos.
Cada verso é uma molécula da linguagem
dissociável em átomos sonoros primais
e nunca em sílabas métricas e vãs. Ou
algo mecânico e metronomicamente perfeito.
Ouve-se no poema não só o lamento das coisas
mas o vagido das estrelas nascendo
e o urro preclaro de sua morte.
Dos pedaços de hélio, silício, ferro, restos
da matéria das estrelas Deus fez o homem:
E ele não sabemos ainda disso. Pensa ser
um poema parnasiano.
Mas isso é poesia? Ou perda simples
da energia poética, dissipada em tais coisas
que Vital Corrêa de Araújo apoda de poema?
Poesia é a palavra em liberdade organizada em linhas.
É a palavra em liberdade para ser
e não presa a um dizer.
A incondicional libertação da palavra
é a condição sine qua non da poesia.
E para isso é preciso no Brasil
realizar nova revolução porque
a palavra hoje é presa.
Em celas métricas, masmorras vérsicas.
Jângal rimando com ângulo langue.
Mas isso é poesia, insistem
milhões fugazes de leitoras?
Como? Se não diz nada.
São palavras (significantes) sem significado
a poesia hoje? Heresia. Coisa de herege vital
da linguagem.
Mas isto é poesia, imprecam
miríades de leitoras ante algum qualquer soneto.
Que tipo estranho de poesia é essa? Diga!
É que as pessoas tendem a categorizar tudo
hoje. Querem dar nome aos bois
mas temem o estouro da palavra pecuária
abalando seres ocos corações reses ruidosas.
Várias me disseram (após ler-me duas linhas):
Isso é literatura? Em que mundo estamos.
Isso é a palavra enlouquecida. Voragem pura.
Lírico delírio (possivelmente), mas
não é poesia “com certeza”.
É que o bom gosto musical do brasileiro vai (de mal a pior)
de encontro com o mau gosto de poetas como VCA.
A dissonância é imediata, abalante, fatal.
Cadê a poesia calmante, presa a molduras
métricas ou andaimes? A beleza da estrutura do soneto
cadê?
Cadê a poesia calmante, presa de molduras métrica
ou andaimes rímicos? A beleza da estrutura
(décimoquaternal) do soneto, cadê?
O péssimo gosto brasileiro com a poesia poesia
vem do que chamo dialética do estabelecido e da
mudança. O gosto (ou des) parnasiano vem
de mais de cem anos, impávido, calcitrante
imperioso e gratificado. Olavo Bilac é um monstro
sagrado. (Quer dizer é monstruoso sim, e nada sacro).
Há um tabu bem brasileiro da poesia rimada e
bem cuidadosamente metrificada. Pé quebrando
é incompetência, restolho, lixo. É
um tabu potente. As pessoas temem o que não
entendem. E preferem deixar as coisas como são (já
que entendem assim). Deixam como estar para
ver como ficam. Parnasiamente estabilizado.
O estabelecimento poético do parnaso
desde a Geração 45 ressolidificou-se. E prosperou.
E agora vem VCA com a nova
poesia (neoposmoderna e tal). Sacrilégio.
A violar o tão bem estabelecido cânone vivo
e aliado da nova música (a atual MPB). (De
1990 para cá).
O que está posto (firme, vivo-morto) é
sagrado. E igual. O que é diferente é mau.
VCA é subversivo, subverte a realidade com
sua poesia sem pé nem cabeça, colocando
o universo poético, o edifício, a empresa
da poesia brasileira pé-cabeça. Ele
prega uma ruptura vital. Especialmente quando
afirma nada há de mais antipoético e ridículo
do qual um recital. A poesia neoposmoderna é
“IN”: ilegível e ininteligível, portanto irrecitável
absolutamente indizível, como soi de ser poesia agora.
VCA detrata acuradamente a poesia
embalsamada de agora, tipo lavagem de porco ou roupa suja
em recinto púbico. As nauseabundas cantigas
“cultas”, de imitadores da poesia
popular (regente, cordel), a verdadeira.
Comentando a situação nauseante da música
ocidental (tipo M. Jackson e Lady Gaga, agora)
Henry Miller vem com essa tirada: “Das igrejas
vem a triste nênia do Cristo morto, uma
música que não é mais sagrada que um nabo podre”.
VCA quer, sim, provocar um abalo sísmico (cânico, místico)
na poesia viva, estabelecida, remunerada, acadêmica, depauperada
com as placas perigosas de seu poema raivoso e neoposmoderno
quer obter êxtase vendo tudo se desmilinguindo.
Os bastiões do parnaso caindo um a um ruinosamente. As torres do
soneto e as fortalezas das sextinas ruindo de vez.
Maldito! Quer drogar ou dragar. Todos. De
lambuja. Mas ele não conseguirá leitores para isso:
empreitada de fracasso. Por mais que faça proselitismo das elites.
Há poesia hoje. Mas poesia amestrada. Que
não engorda. Sem catarse infecciosa.
Nos recitais hodiernos (Pe em 1º) há
muito pranto de crocodilo. E lágrimas de
borracha descer às turras dos rostos ouvintes
são suspeitas. Ler é algo velho, não que leitores. Lem é que leitores
superado, desvirtualizado. Díssimo.
Quanto mais se martele rima rica
e ritmo binário maior a emoção (da pele, que
arrepia o coração) e mais contentamento
rico (êxtasezinhos) se provoca nos ouvintes pasmos.
(Coitados!).
E lágrimas que os olhos de crocodilo do
leitor arrancadas da “fauce”, fabricadas em
série pranteal, extirpadas do rosto estático.
Lágrimas inconsoláveis e geladas
mas lágrimas. Da audiência. Recitálicas.
{jcomments on}