Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque)
(à Senhora do Labirinto
O labirinto, sua vertiginosa geometria
inebriantes meandros, câmaras insondáveis (e argutas)
tortuosa rede, sinuosa malha de áridos muros.
Jogo de negros alvéolos, Dédalo de lodo vândalo
e escória de lírio, óleo se alastrando
no silêncio murado por ébria geografia.
Labirinto e seus corredores abstratos, pétreos
arcaicos de paredes cavas, exíguas
ambíguas, exatas, sagradas, adjetivas
estábulo de sombras, vórtices cruzados
orgulhosos hexágonos se contorcendo
como serpes que Gôngora alimente.
Espelhos caiados, túmulos octaédricos, sopro
ou bafo de touro percorrendo cilindros escuros
escarcéu de escâncaras, horta de energúmenos aromas.
Teseus capados, rios de escaras, retábulos vagindo
colhões de coelho ajaezados de vaginas áticas
células sem luz, câmbios esmagados, tauromáquica busca
por evangelhos de cinzas, salmos escurecidos
arenas arenosas, sangue edificado na praça
rodeada de crinas astutas e correnteza taurina
redoma curva, abdome do demo, vestíbulo atroz
garganta cega, mandíbula tenace, saliva insolente
sal feroce galgando esôfago da morte.
Atro claustro, rótula de pedra, êmbolo de grito
menisco de mácula, joelho de Capricórnio híbrido
dobradiça do instinto, boi de cio, temor e alumínio.
Cela sem ventre, alcova taurina, súbita
construção de cubos uivando
ciladas de basalto, rio curvo e árido.
Labirinto e sua astúcia catastrófica
libido indomada, corpo crivado
de ecos paranoicos, gritos piramidais
prismas estraçalhados, cacos de vitrais, adros
demolindo-se do ventre dos domingos, nervuras espasmódicas
sombras armando cinzas ressuscitadas em movediços hangares
greda subjugada, noite sem armistício
carbonos acantonados com lágrimas de pedra
respiração de escombro, veloce
pulmão do diabo, satanás de chifre e lasso
monturo que amortalha ódio, ira célere
paço de manhãs estupradas, domicílio insano.
Labirinto, recipiente de heroi, coletor
do que se esgueira, alfarrábios de cobalto
retábulo de urros, colmeia espúria, hábito de crótalo
rota de treva, vida e dúvida ávida, vereda abortada
trâmite de detritos, náuseas irmanadas com vômitos franceses
súcubo tugúrio, lar de sombras amestradas, cloaca branca.
Casa de Astérion, devorada viragem
de mítico Borges copulando com Pasífae
e sua ascese ávida, insidiosa trêmula, plural voragem
trottoir de atritos, desvio do lume, trilha ubíqua
agonia viva, continente sem veia, trapo e gemido
ilha tumular de Orfeu, pútrida dádiva que uiva
ébrio poliedro, éden ambíguo, pântano anímico
residência de pústula do ser incessante
incrustado na alma, presente da ilusa veia humana.
Labirinto, átrio esquivo, gare nervosa excêntrica
palco louco, devorada virgem, hangar grotesco
alfândega terrível, centro do mundo, eixo do verbo, arte
de pedra e assombro, desejo de sangue e lua
que cio ático assanha, lúbrico utensílio
fruto do ventre de fêmeo touro arcano
pálpebra de treva, volúpia rupestre, gozo rochoso
mandíbula e charco, escuridão e espírito
engrenagem grega, soberba sombra, lúbrica beleza
pátio do céu em declive, alvorada suspensa num coágulo
túnel de bramante touro, viço minotauro
périplo que trena de Ariadne copia, meada
do espírito, corpo de lenda e lírio azul iluso
pátio onde reina, rosna, grune
irreflexão de Borges e suas fatigadas incertezas lampejam
onde pulsa, grassa, singra, pasta sangue sem data
onde grasna hologramas, ácidos se consolam
se consultam prélios, púbis de Atenas enrubescem
em varais escuros hímens se penduram (de áticas moçoilas)
a virginidade se devora, rugem paraísos cônicos
inimigo rumor dorme lima sono pesadelo molda
pátio de súplices aços, espelhos ilícitos
sonos enterrados, côncavo signo, prado dobrado
de sombra e intervalo, adro enodoado
onde ecoa medo e temor ancora
entoando estâncias de hínicas chamas ao sulfato
onde retortas sonham com mercúrios altos
e pútrido urro corre como rio sem nome
onde verbo arromba estribos e martela murmúrios
onde vozes se locupletam de concílios alados
e arrebenta o tímpano dos homens taurina sonata
crucificando sua esperança, seu destino esculpindo
com as pedras do labirinto, renda e tecido do poema.
Este salmo com que ladrilho solo do labirinto
dedico à Senhora que vaga em seus corredores intestinos
invectivando fantasmas, romanceando Pernambuco.