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Ter, Abr

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Vital Corrêa de Araújo

Num país em que a literatura, a cultura literária, perde espaço progressivamente na proporção direta do progresso material, não surpreende o esquecimento que envolveu o nome (e a obra) de Álvaro Lins, por largos anos, que só agora começou a ser revisitado.

Levantou-se o véu, quebrou-se a pátina, mostrou-se o céu do valor desse grande intelectual brasileiro, como João Condé e Austregésilo de Athayde, caruaruense. E universal.

 

O conceito (a instituição objetiva) de crítica estabelecido por AL foi, para a época, 1939/40, sob plena guerra, em que as paixões estavam em polvorosa e o medo dava às mãos ao desespero, algo extraordinariamente importante.

Especialmente, para que a crítica literária e cultural brasileiras se alicerçasse em valore modernos, atuais, em consonância com a francesa – modelar para época, e ganhasse foros de universalidade e suficiência.

O mestre reconhecido de AL foi Alceu Amoroso Lima, mas Álvaro revelou-se uma personalidade ímpar: militante, político, inconformista, intimorato, inovador, cuja ação crítica não se rendeu a qualquer partis-pri.

História literária de Eça de Queirós (1939) e um conhecimento profundo de uma plêiade de amigos e poetas (com quem convivia): Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vinícius de Morais e Jorge de Lima, além de conhecer em igual profundidade a literatura francesa da época, deram background poderosos para Álvaro Lins assestar suas baterias críticas sobre as letras brasileiras e universais.

A crítica, que, para ele, se exerce como um destino (e não um fardo ou uma obrigação profissional) nada tem de iconoclasta ou de negativa. Ela forma alicerces, levanta ideias, resolve teorias, ergue instrumentos para novas construções intelectuais. É idealista e objetiva. Nunca conformista.

Na primeira intervenção no Correio da Manhã (1941), conceitua excepcionalmente o ato crítico.

“O ato de tudo aceitar, como o ato de tudo negar, não é um ato crítico. É um ato de positiva ou negativa apologia. E só”.

O ato da crítica é aquele que completa, retifica, compreende, amplia, abre perspectivas, desdobra situações, dilata horizontes, põe e repõe as coisas no seu lugar.

“O crítico que se cinge ao círculo do que ele critica está esterilizado (fossiliza-se) e não deve ostentar o nome de crítico criador”.

A atividade crítica é criadora por excelência, cabendo ao crítico, além de interpretar, sugerir e julgar, ver além da aparência e extrair o caminho verdadeiro do cipoal de trilhas e ardilosas armadilhas, que pode desviar a criação literária.

O crítico que se insubordina a leis, regras, cânones, princípios velhos e outros positivismos (já no tempo de Álvaro, anacrônicos), como condição da ciência, gera uma situação que o evita de se tornar criativamente estéril ou apenas mais um cronista superficialmente literário.

Quanto à questão relevante na época dele, relacionada à crítica católica, AL diz que o cepticismo, instrumento vital do crítico moderno, deveria se adaptar à crítica de índole católica.

“Pois o cético absoluto e o católico integral são quem dispõem das melhores perspectivas intelectuais para compreensão da beleza da arte e das verdades do mundo temporal. Um, porque possui o sentido do todo; o outro, porque dispõe da verdade do nada”.

São duas atitudes opostas e humanas, que se complementam, ambas capazes de poder dialético e de profundidade de lucidez, de entendimento e de compreensão, acima de todas as paixões.

A partir de 1940, começou a ação jornalística do crítico Álvaro Lins.

Após analisar a poética de Baudelaire (o equilíbrio entre o delírio e a razão), Rimbaud (o vidente), Mallarmé (o alquimista da palavra poética), Valéry (o esteta), num artigo que é um verdadeiro ensaio, AL realiza mais dois ensaios (no mesmo artigo a ser desdobrado para publicação) sobre Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt.

Compara Bandeira com Baudelaire: ambos, poetas clássicos e modernos, participando das velhas formas de poesia e buscando formas novas, não só para o presente como para o futuro, e influenciando gerações, além de guardarem em si o timbre difícil da permanência, na história literária.

Como Baudelaire, Bandeira é um poeta que está no centro de uma época e que tem sido raiz e ponto de partida para numerosos poetas.

Em certo artigo, AL analisa e compõe um quadro crítico no qual demonstra que Carlos Drummond de Andrade teria influências diretas de Bandeira.

Ainda em 1940, AL resenha, lança, avalia e expõe poetas como Odorico Tavares – A sombra do mundo – 1940, Alphonsus de Guimaraens Filho – Lume de Estrelas – 1940, Manuel Cavalcanti – Lanternas pela noite – 1940, que Lins conhecera de Recife, quando estudante; Mário Quintana – A Rua dos cata-ventos – 1940:35 sonetos impecáveis, veículo mais adequado à expressão, segundo AL, ou seja, o soneto como meio e não fim; Érico Veríssimo – Saga, 1990, Lúcio Cardoso – O Desconhecido, 1940, Luz do Subsolo (1936) e Mãos Vazias (1938); Parmínio Asfora – Sapé – 1940.

Num próximo artigo, abordaremos um tema caro a Álvaro: o conflito entre a percepção transitória de crítico e a decreto definitivo do tempo.{jcomments on}

Murilo Gun

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