Manoel Neto Teixeira
Vital Corrêa de Araújo, poeta/escritor, com domínio pleno da linguagem, no duplo mister, se enquadra perfeitamente na concepção de que a poesia moderna é mais que uma técnica, uma religião, talvez uma revolução original e definitiva.
A produção artístico-literária de VCA não se enquadra nessa ou naqueloutra escola, não encontra limites no tempo e no espaço; alça vôo próprio, independente, algo novo, com um quê de libertário e sagrado.
O autor navega além mar, ou seja, inova e acrescenta no plano da linguagem, com força e aptidão capazes de colocá-lo num pedestal de singularidades, distanciando-se de qualquer significante.
Diferente dos autores que buscam desesperadamente os caminhos da interação com seus leitores, entende ele que a poesia não pode ser concebida qual objeto de consumo e compreensão. Ao contrário, quando ocorre essa interação, estamos longe do fazer poético, propriamente.
Arriscaríamos dizer que sua poesia é arma de alto calibre com que o autor atira em todas as direções, sem escolher alvo, mas sem poder nem querer, talvez, esconder, mesmo sob toda e qualquer escatologia dos seus versos, o desejo de vingar-se do mundo e enfileirar-se nas vanguardas; é também a mesma catapulta que lança romanticamente ao seu erotismo mais singelo, copulações que oautor faz na linguagem, facilmente visíveis no texto, nas chistes, onde se têm bons e maus exemplos; ou no humor e ironia da sua prosa, que abriga, não raro,imagens lançadas pelo seu engenho poético.
Independente de categorias e escolas, nada fácil conceituar poesia; as especulações são quase sempre frustrantes, pelo que elas omitem, segundo o prof. Lucilo Varejão Neto, “Entre o Homem e o Mundo”, pgs. 20/21, Editora da UFPE. E arremata: “o fazer poético tem algo de misterioso e por mais que se tente justificativas, o fenômeno escapa às condições comuns da inteligência e da lógica humanas”.
E o fazer poético de VCA não escapa dessa assertiva; ao contrário, está envolto de espessa camada de mistérios e, como disse Alfred de Musset, suas declamações são como espadas: elas traçam no ar um círculo deslumbrante, mas sempre cai dali alguma gota de sangue.
Sem espaço e sem tempo predeterminados na sua busca e andanças intermináveis, navegando por galáxias diversas, inóspitas, umas, e provavelmente habitadas, outras, aqui e acolá permite-se alguma aterrissagem quando compelido a deslizar através da prosa e aí, sim, fazer-se entender pelos seres terráqueos; isto por instantes em que se permite encarnado (encarcerado) nesse mundo de pelejas e intrigas, onde só há tempo e espaço para a frágil e transitória condição humana. Para logo mais, sem tardanças, reembarcar na sua nau e imprimir vôos certamente inalcançáveis por nós outros pobres mortais.
Feito um arqueólogo dos sentimentos, atávico e reprimido por nossa tênue casca de civilização, atormentada e sem rumos, mesmo agora no início de um novo milênio, em que o mundo se atola em intolerâncias e exclusões dos diferentes, onde a fraternidade e a bondade quedam ante os conflitos étnicos, religiosos, sociais e políticos, VCA pede licença a todos os terreiros para se encantar novamente na sua galáxia poética. Quase à moda kafkitiana.
(Manoel Neto Teixeira, jornalista e professor, é membro da
Academia Olindense de Letras e da Academia de Letras de Garanhuns)
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