Cláudio Veras
Vital usa em seus poemas o ritmo como fator construtivo, daí a aparente desorganização lógica (predicativa)
e desfiguração gramatical pois a gramática devia estar a favor a logibilidade das coisas, não?).
Jaz na poesia de VCA um princípio estruturador fundado no movimento do ritmo.
O metro é uma maneira convencional (como a rima, também, o é) de demonstrar um movimento vérsico externo, enquanto que o movimento rítmico é anterior ao verso.
É impossível entender (lógica ou afetivamente) o ritmo a partir da linha dos versos, pelo contrário, se compreenderá o verso a partir do impulso rítmico.
A lírica vitaliana (e idem para R. Generoso, em Através) conleva a uma situação comunicativa imaginária, por meio da qual o falante (o eu poético que na lírica tende a utilizar a primeira pessoa para enunciação, mas em Vital, não) se sente a si mesmo como ser, se intua ao soliloquiar-se como interioridade.
Na lírica (e em VCA) há um rompimento da polaridade sujeito-objeto, no instante em que o sujeito-eu-lírico, mesmo como algo outro, expresso em terceiras pessoas, está preso ao enunciado, e se distingue de quaisquer outros enunciados de realidade (aqueles que fizeram Valéry declarar: “os acontecimentos me aborrecem”) porque a lírica não tem (nem deveria ter) a função de comunicar nada, senão de constituir uma experiência vivida (e vívida) inseparável de seus enunciados.
A enunciação lírica nunca é dirigida a objetos (poderia está-lo, mas indireta ou contingencialmente), mas que, nela, o objeto é absorvido pela esfera da experiência (práxis) do sujeito da enunciação.
Kate Hamburguer arremata essa questão quando afirma: ainda que a leitura ingênua tradicional (e viciada – EU) de poesia identifique eu = autor, homem, pessoa quase física, existe, entre o peta (autor) e o poema, “distância e impessoalidade”. “Cada eu-tu do poema não remete a um contexto real (objetivo, palpável, lógico, concreto) senão a uma situação fictícia que outorgue coerência á leitura, independentemente de qualquer referente externo”.
Lágrimas de jacinto correm sobre têmporas
(de pétalas, rosto de rosas)
pela face de cada hora abandonada
ensimesmada de sonhos inúteis
pelo lábio de cada hora iluminada
pelo sulco que a última luz deixa
sobre os esgares dos agonizantes
lágrimas de jacintos correm
pela dor da última primavera
(que se foi anônima e desdentada
para o lugar
após o nada).
(Penso nos outros
logo existo)
José Gomes Ferreira
Resta apenas a tumba das borboletas
(e um raio pálido de luar esquálido
a iluminar a melancolia
até que morram as ruínas).
A ira envaidecida de Deus chicoteia
a fronte do possesso
e os poetas choram
lágrimas de letras.
(Ai, que cansaço
de viver como se todas as estrelas fossem olhos
a verem o que faço)
José Gomes Ferreira
{jcomments on}