Porque nominei de absoluta a nova poesia neoposmoderna – e por efeito os seguidores dela seriam poetas absolutos (e o são os em contraste com os poetas relativos) um cronista ironizou: o cara se diz poeta absoluto, subindo e descendo as ladeiras de Garanhuns, e, citando Hegel e o espírito absoluto, criticou o apodo vital e disparou: absoluto é adjetivo inalcançável pelo homem.
No entanto, li o HEGEL, de cabo a rabo - e anotei, de Roger Guaraude, mas a base da poesia absoluta – desde 1985, é Wittgenstein, o filósofo que até Bertrand Russel estranhou (e não se relacionou com sua mulher – como o fez com a de Eliot, porque W era solteiro).
A poesia deve apenas sugerir (Mallarmé), representar e não explicar (Goethe) ou apresentar – e nada explicar ou descrever (Wittgenstein). Deve-se mais observar a linguagem do que usá-la. Aí entra a fatia de vita contemplativa ou bíos theoretikós, o poeta lírico olha, mas não vê senão a essência (o âmago)... e nunca o acidente (o inessencial ou circunstancial).
O aspecto hermético, esfingético, devorador, estranho da poesia lírica conteporânea é que (conforme uma das máximas da concepção de compreensão de Wittgenstein) não se pode falar da verdade acerca de nosso próprio interior (eu íntimo), ou seja, acerca de nossas próprias intenções, propósitos pessoais, motivos (psicológicos ou não). O íntimo não se publica. sentimento não é poético. Para ler um poema absoluto – e chegar ao ‘’absoluto’’ dele, é preciso estar fora de si e fora do ponto de vista (muitas vezes pobre) do poeta. É sair do relativo, qualquer que seja. Parto daí para estabelecer o sentido lírico.
Não como Rimbaud (que jamais voltou), mas tal qual Valéry, W. afastou-se da filosofia, fez silêncio filosófico por 10 anos, desde que terminou Tractatus logicus-philosophicus (1919) até 1928, quando iniciou Investigações filosóficas – veja-se a modéstia do título, após, portanto, os 10 anos de silêncio filosófico do Tractatus.
O caminho do Tractatus até chegar a Investigações filosóficas é tal como se ele escrevesse – e pensasse, de dentro do ID. Ele dirige sua crítica filosófica ao ponto de vista acadêmico, tal o faço, opondo o poema absoluto ao pensamento poético relativo da Academia (em termos latos).
Enfatizo: do interior idítico, corpo vasto, quase infinito, contraposto ao átomo e ao cosmos.
Por outro lado, parto de uma visão ou concepção do mundo completamente formada e consequente (Weltansshuung), o que é vital para alguém se propor à poesia. Sempre arguo: como se pode fazer um poema, sem conhecer os mais de 20 poetas que, no século 20, ganharam o Prêmio Nobel de Literatura, pela obra poética? Salvatore Q., Seferis, São-João Perse, Elithis, Vicente Aleixandre J. J. Jimenez, Neruda, Eliot, Paz, todos nóbeis, além de Jorge Guillén, Murilo Mendes, CDA, Lezama Lima, Borges (que merecera a láurea escandinava).
Sem dúvida, há uma nuance solipsista na nova poesia lírica. O leitor absoluto adentra a fronteira extrema do entendimento – ou do mundo da poesia, para estar no interior do poema e poder olhar de dentro para fora – ou olhar de dentro o poema como que de fora dele (que está).
O poeta deve buscar o emprego menos original possível da linguagem – original, não no sentido filológico, mas do emprego banal dela.
Trata-se de reconduzir a palavra a seu uso metafórico. e dela extrair – como o bateador do ouro, toda sua prata metafórica e significados escondidos.
E os temas menos temáticos (no sentido em que se usa temático hoje) possíveis.
Enfim, contra o uso social da linguagem atrasada. A poesia absoluta pretende, quer despertar o leitor do sono ideológico da usura, usura, usura.
A busca maior é fazer com que as pessoas deixem de estranhar ‘’a poesia estranha’’, incorporem a seu mundo esse universo de significância absoluta, essencial ao humano, ao demasiadamente humano. Que eles não estão de fora, que poesia não é difícil... e que o complexo é benvindo (o cérebro agradece).
Não se assuste se não ‘’entende’’ de imediato o Poema Absoluto. É que não é para entender imediatamente ou aprioristicamente.
O que choca de pronto é que a poesia absoluta censura os princípios basilares da poesia acadêmica, despreza e critica toda parafernália versificatória e visa a demolição dos arsenais rímicos todos. Obsta toda a visão acadêmica da poética, os ideiais de definição conceitual, os espasmos descricionistas, a justificação última do posneomodernismo e objetiva a afundação das certezas poéticas alicerçadas no século XIX (atrasadas então) e persegue a ereção de nova poética verdadeiramente nova.
As investigações poéticas que professores e acadêmicos de Letras e História da FAMASUL projetam e já executam, pretendem impor o novo conceito de poesia e lirismo, sem recuos ou hesitações.
É na indeterminação da imagem em geral (ou em abstrato) que se move a poesia absoluta.
O mecanismo imagético parte da sensação particular para um padrão, gerando um arquétipo de que a imagem é a concretização.
A imagem em particular é determinada (e pessoal) e somente, via poesia, é universalizada, alcançando um nível de indeterminação que a faz genérica a concretizar-se no poema.
A indeterminação da imagem num poema demonstra sua singular fraqueza.
A indeterminação imagética libera a possibilidade de determiná-la e demonstra sua historicidade vital. Porque a particularização de algo torna-o transitório e inssucessivo. O permanente é antihistórico.
A imprevisibilidade da ‘’mensagem’’ (ou conteúdo) que a forma absoluta poética contenha (ou melhor, incontenha, seja incontida) é vital ao poema absoluto. O poema meramente informativo (não formativo), elementar, relativo (que tanto se pratica equivocadamente) requer sinais claros e indubitáveis – i.e., inequívocos e bem previsíveis, para o ‘’bom’’ entendimento do ‘’poema’’ pelo ‘’leitor’’ (elementar). Mesmo que algo seja aleatório na ‘’informação poética’’, a capacidade legal do leitor antecipa ‘’o que o poeta quis dizer’’ reduz, e tanto, a imprevisibilidade da mensagem. O leitor é mero receptor da mensagem verbal (moral, sexual, político).
Pode ser previsível a dificuldade, se o leitor for leitor... e não mecânico receptor.
A aparente redundância do poema absoluto, reiterando sintagmas é na realidade algo antirredundante, mesmo irônico.
É especial, na poesia absoluta, mesmo essencial, a ação de forças do acaso na criação de sintagmas (estranhos, porém originais), que demonstram o potencial da linguagem que a poesia elementar tenta bloquear). O mecanismo de encadeamentos longos, irracionais aparentemente, jamais vistos ou escritos, é o dínamo criativo da linguagem poética absoluta.
O verso aleatório, autocriador, à medida que avança, o contexto verbal se precisa. Porque a linguagem é viva e infinitivamente capaz de novos e estranhos sintagmas. No caso, o acaso da palavra no poema se combate com o acaso da criação verbal. O imprevisível vai se concretizando no poema, alicerçando assim a melhor poesia.
No esboço de ensaio (publicado na revista SINGULAR). A estropia da palavra poética, realizo o que o filósofo Mikel Dufrenne chamou de paralelismo entre o tratamento estatístico da macrolinguística e a termodinâmica dos gases. A entropia define a degradação de um sistema, a atualização (o poema) e o sumiço da energia potencial (a práxis da inércia)... com o retorno à desordem... que é o não-poema arrumadinho de rimas e preclaro, mais do que claro, perfeito. Daí, porque cada poema absoluto é singular e imprevisível – mesmo cada verso do poema o é (ou seja, quiçá). É o logos inserido nas coisas que a poesia absoluta revolve, prospecta.
Como parte da natureza, a poética entrópica reage e se defende comocionalmente contra nivelamentos, limites de piso, tudo que a condene ao que é ou foi – e não a liberte ao que será (direção vital). A palavra em liberdade de Paz e Murilo Mendes.
O poema não pode ser efeito de emoção, resultado de ‘’inspiração’’, produto do sentimento. O sentir ordinário é algo pessoal e intransferível, que a ninguém interessa. Só ao umbigo do ‘’pensador sentimental’’. O papel da palavra poética é inesperar. Eis o campo da apalavra. O poema absoluto não é aleatório, porque as palavras, nele, são motivadas pelo estilo singular e pelo dínamo criativa que poeta opere. Não é circunstancial porque as palavras nele vêm do id direto.
Ao estruturar, pôr à letra o poema, o poeta não pode se louvar em meras questões de sentido. Se coloca o sentido como alvo (dizer algo) será prosaico o poema. Poema se faz com significantes, nunca com significados. Vide Mallarmé.
Como é linguagem basta ao poema que ele diga, pouco importando o que diz. (MD).
Daí ser elemento da poesia absoluta a incomunicibilidade patente. A comunicabilidade é outros 500 – e do âmbito da informação.
Na prosa, a significação segue uma lógica rígida que foge ao (des)controle da imaginação, toda uma estrutura explícita se organiza sob gáudio do ego, ao contrário da poesia que se enraíza na própria natureza da palavra quando ainda não veiculava informação bursátil, quando era do âmbito do FIAT. Na poesia, as palavras escolheram a liberdade , desprezaram o jângal da gramática, romperam os elos carcenários da sintaxe, movem-se na página como peixes na água, espalham-se no poema como cachos de graça, desorganizam toda a banalidade, todo o sistemático e qualquer identificação positiva da realidade tal como aparente (ser).
O mais impressionante é que – conforme o filósofo Mikel Dufrenne, devido à conturbação sintática, a poesia aumenta a quantidade de informação (extensão), pois quanto mais ruído mais se afia o entendimento (compreensão), mais se buscam novos e inusitados ângulos. Ao baço da prosa, a poesia opõe o brilho da palavra enigmática e prenhe de significados insuspeitados. Compreensão hermética (o que reduz a extensão lógica).
A explicação de Dufrenne é que a sintaxe, por sua rigidez e coerência, aumenta a redundância do discurso, promove o previsível, encanta a razão (distorce o desentendimento).
A poesia cria o imprevisível, estende o ainda não dito, estimula o indisável, surpreende-nos, confunde-nos, aprimora o humano, dilatando seus limites.
O mundo humano dirigido e detido pela palavra prosaica, determinada é estendido, dilatado pela palavra poética selvagem (e indomesticada).
Livre das peias dos significados precisos, óbvios ululantes, o poema amplia a significância, porque abre novos meandros e vertentes desconhecidos do entendimento. O dínamo da poesia é a expressão, não a informação, é a forma, não a mensagem pura, em si, mas a expressão, o modo particular ‘’poético’’ desta expressão.
Leitor, que arque com essa mediação formal, que produza uma concepção das coisa, do que ser, do mundo, da vida, capaz de ir ao íntimo da mente, que é o id, para dessa usina extrair os dados que construíram o poema, será privilegiado com a captação da beleza da palavra.
ADENDO
Para ilustrar a indelicadeza e a não instrução de ousar definir o absoluto num mero e simplório verbete de dicionário popular, assim tratando-o (ao absoluto) com desimportância e relativismo, chamo à colação Hegel, o magnífico Hegel.
No começo do século XVIII, em Iena (Jena), Hegel, ao ver Napoleão passar, disse para si mesmo: ‘’Eu vi o Espírito Absoluto passar a cavalo’’. Anos depois, quando Napoleão tornou-se relativo, isto é, absolutista (títere), Hegel sabiamente o renegou.
Na realidade, Hegel dissera: Vi o absoluto do espírito humano desfilar num cavalo (branco), meio de locomoção nobre à época.
Mutatis muntandis, aplica-se luvamente a situação descrita à poesia absoluta. Só os meros relativistas, se esguelhariam, se escalpariam (a si mesmo), se ergueriam tão baixamente contra o absoluto na poesia, contra poeta que se dissesse (e o provasse pela obra) absoluto. Absoluto, porém não absolutista, isto é, único, ímpar, o que seria soberba suprema. Hoje, pululam poetas absolutos, citariam facilmente 10 (um em Garanhuns, nove em Palmares).
É títere portanto acoimar de adjetiva tal substantiva poesia. Nada mais. TD.
ESPIRITO ANÁLISE
quando investigo o meu espírito, o que o faço de má vontade (dispersamente) e sem o vigor vital das coisas naturais, sinto o quanto apoético anda o mundo. O espírito é o tempo e o sítio onde aquele se desdobra. É esse lugar intranquilo e perverso é o mundo atual.
Então, contamina-me a certeza de que nós é que atribuimos sentido às coisas (ao real), intenção aos sentidos corporais, que são puro engodo do natural. As sensações não são homem. Resta – quem sabe/ o sentido místico. Que é raro sobrevivente hoje.
Conclusão: o homem inventou o tempo e o universo, pensando ser Deus. O universo de Deus é paralelo ao real.
Se tal é verdade: eu não existo, porque só existe o outro. Qualquer que seja.
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