VCA
Insisto na questão selvagem forma versus conteúdo, clássicos parâmetros da poesia, distinguindo, porém forma e forma. Forma pura, que já foi tema de um miniensaio meu, redenomino de Poesia Absoluta.
A pureza é no sentido da não contaminação mínima de qualquer conteúdo (referência fixa, banal, obrigatória ao mundo, ao considerado realidade). O absoluto é a fuga de qualquer relativismo alienante ou imposto por ditames autoritários (da prosa), de dominação sintática.
Conteúdo, aqui, é o polo oposto, o outro lado do muro que separa – ou distingue – poesia de prosa versificada ou não. Ideologicamente, em termos do sistema econômico único ou modo de produção dominante, a poesia avançada, vigorosa, complexa não interessa, porque “desenvolve a mentalidade”. A prosa, sim, é apanágio do sistema.
(A propósito do modo de produção econômico e mental unificado a nível mundial, o que resta de impureza: a China simulacro de socialismo, a Coreia do Norte, aberração, ditadura inverossímil e Cuba, o último bastão derrubado).
A rima e a métrica obrigatórias, essenciais ao poema – como tal é ainda conceituado no Brasil – condição sine qua non para o labor (lavor) e produto do poema, para a lavra do verso, para mim não são formas, porém marcas, de uma época, um tempo anacrônico etc.
Na poesia brasileira, desde a autonomia política, houve uma homogeneização pasteurizante, o predomínio absoluto do conteúdo poético (a realidade por trás de cada linha ou verso real que evoca a visãozinha do mundo medíocre e tal), independente da rigidez versificatória (que se diz formal etc). Com o parnasianismo, o padrão poético renovou-se, ajustou-se estabeleceu-se. Constituído, homogeneizado em rígidos condicionamentos formalistas e de conteúdo impecável, embora meio que etéreo. Ver Bilac, Raimundo (pombas) Correia e cia. A propósito, se por trás do imaginário estiver de guarda – e controle e censura – a realidade – seja qual for – o imaginário está finado.
Tal situação possibilitou o laço de contenção (que a forma produz, embora também contenha, isto é, obicione a imaginação) e descrição, visão romântico-sentimental da realidade. Pendor realista e retórico. Arrefeceu o estágio da predominância de conteúdo informal e preponderou o lavor poético impecável e a mensagem meio que abstrata.
A primorosidade morosa do parnasianismo atendia a um estro popular e elitista. O que acontece até hoje, de modo geral. O modelo poético brasileiro é o parnasiano eternizado.
Só a poesia absoluta quebra de modo viril e viral, de forma consequente e definitiva, esse padrão anacrônico e reacionário, isto é, conservador e arbitrário. Que nos atrasa e predomina alienantemente.
Não se trata de dicção coloquial, popularesca, populista ou sofisticada (elitista, intelectualista etc): a poesia é uma só – e que reflita a época e não o passado, que se afaste do ultrapassado e achegue-se ao ultrafuturo. É uma só. Não é questão de transação ou hegemonia. Algo que se situa no plano meramente diacrônico.
É o destravamento do elo ou liame poético antiquado, repetitivo, igual, sentimental, hesitante, da poesia como acrobacia ou trampolim, de uso personalista ou utilização de política romântica. O cara publica um livro de poemas para sinalizar: sou poeta... e pronto. (Poderia citar, agora, dezenas de casos que bem conheço).
Por outro lado, adveio o dilúvio do verso livre, fajuto, descabelado, confessional, em ondas de idiota confessionalismo da alma (com a palavra), marés de inteiras paixonites, verdadeiras corredeiras de declarações passionais em catadupas de “verso livre” (de seriedade), tipo verborragia sentimentaloide ridícula etc. Tipo racionalismo delirante, “poema esquizofrênico”.
O que difere ponta-cabeça da poesia absoluta, que se entronca (e se encontra) no desvaro irracional puro. Preciso. Que é incomunicável, desinformativa, inconfessável.
A poesia como escrita intemporal, ditame do id. Como antirreferencial por excelência. “Uma fuga da personalidade, ao invés de sua expressão”.
Tipo enclausuramento em casca de noz, como predicou o magno poeta e ensaísta, Oswaldino Marques.
A poesia não mais abandonada ou à disposição do ego (usurário) ou engolfada em comatosos ideais emocionalizados, aderida à realidade aparente e repudiando a essência do ser, a título do predomínio da tal consciência de massa (invenção capitalista pura), em que urgisse a responsabilidade social do poeta. Poesia que renegava o onírico e endeusava a razão vigilante. Era o debacle total da visão rimbaldiana do verbo possesso e humano, demasiadamente humano, visão alquímica que se faz – com a PA – anímica e quântica.
Nota: evolvimento (não envolvimento) sinônimo de evoluimento.
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