O poeta comum observa pelo menos três estágios para construir um poema. Em primeira instância, a poesia existe no objeto em que se encrava originalmente; depois na mente do escritor e, no terceiro momento, é que ganha forma definitiva textual.
Negando esta sequência,Vital Corrêa de Araújo agride o processo comum e rejeita o ponto inicial. Ele não observa o objeto para depois descrevê-lo, ou produzir algo fruto da contemplação. A sua poética parte dos estados mentais, do id, como o próprio autor defende. Desse modo, a poesia não precisa de um elemento provocador, pois o inconsciente, impulsionado pelos instintos, dá ao poeta as situações imprecisas, que aparecem de forma única e, com metáforas inusitadas, atinge maior originalidade possível.
É exatamente no plano mental que a ideia começa a se vestir dos termos gramaticais e estéticos, como no caso da rima ou da estrofe. Nesta parte, Vital interfere no processo de formação do pensamento e vomita os vocábulos sem mastigá-los, diretamente no papel, em um emaranhado de imagens oriundas de uma inteligência aguçada em plena ascensão, mas indomada por sua natureza que se inconforma com a mesmice das coisas. Sua mente busca algo novo, sem censura nem regras a serem obedecidas, nem parâmetros pré-estabelecidos. Ao que nasce desse procedimento, podemos chamar de poesia bruta, na tentativa de aproximá-la a uma pedra preciosa ainda em estado natural. De sorte que passamos a ter contato com as ideias do poeta em primeira mão, pressentindo a essência poética de forma in natura, sem as interferências político-geográficas ou sociais que organizam o pensamento e o vinculam às imposições éticas e morais. Uma poesia que pulsa livre, pululando da mente, como veia de águas cristalinas insurgindo de fonte límpida que vai se avolumando até se transformar em torrencial, onde todos os afluentes se misturam.
É por isso que Vital duvida que alguém entenda sua poesia. Eu também duvido que ele mesmo compreenda o que escreve, pois as imagens não chegam a ganhar forma inteligível, ficando presas no âmbito do inconsciente. A carga metafórica é muito grande e precisávamos adentrar a mente do autor para nos aproximar desta poesia, dita por ele como neoposmoderna. Como se vê, estamos diante de um poeta que utiliza a técnica de forma extremista: nenhuma regra parnasiana lhe serve, e nenhum afago do romantismo lhe desvia a atenção, até porque as normas e o sentimentalismo partem respectivamente da razão e da emoção e estes tópicos são indiferentes à inconsciência.
Assim, Vital segue à risca o preceito de Mallarmé que “poesia se faz com palavras e não com ideias.” Mallarmé não tinha ideia que Vital iria radicalizar esta expressão, utilizando palavra sobre palavra, num jogo enigmático onde o significado se perde no labirinto de seus versos.
Na opinião de Vital, “a poesia é para nós nos compreendermos e não para sermos compreendidos.” Isso explica o propósito da literatura neoposmoderna, quando a pós-modernidade nega os padrões da modernidade. Ato contínuo, o “neo” quebra a própria pós-modernidade, brotando uma poesia difusa, confusa, labiríntica, mas próxima de nosso mundo real, contemporânea dos nossos estados mentais, portanto incompreensível a visão pragmática de seres cosmopolitas que somos.
Admmauro Gommes
Poeta, Cronista e
Professor de Teoria Literária da FAMASUL
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