Meus últimos quinze livros de poemas publicados, não os lancei. Nenhum. E nenhuns deles coloquei em empoeiradas, esquecidas, esqueléticas prateleiras de livrarias. Mesmo proibi minha editora, a BAGAÇO, de distribuí-los.
São quase cinco mil exemplares, 60 caixas das quais só abri umas 15. Também não dou entrevistas. Poderia fazê-lo, pois durante 10, 15 anos fiz movimento literário no Recife, sou de 4 academias e presidi a UBE-PE, por vários mandatos.
É que resolvi me afastar radicalmente da sociedade de consumo estético – ou literário, a pior delas. Quando assisto a “escritores” brindados (e blindados) por panelinhas premiadas dar entrevista e tirar fotos com a melhor camisa fotogênica postado à frente ou angularmente de extrema biblioteca, prateleiras repletas de livros arrumadinhos e coloridos, é que vejo como é isso ridículo, como soa isso medíocre, tolo. Um escritor vendido pela mídia cultural (de massa) como objeto. E é assim que se realizam. Sofrem orgasmos midiáticos às claras, de público.
Por que isso?
Sou surdo à alegria da engrenagem (sedosa, macia, inclusive) do consumismo desenfreado cultural instigado, movido à saturação publicitária (no sentido de atração pública). Como exemplo de massificação de um autor, cito Carrero. Durante vários anos, ele teve, em toda edição diária do Diário de Pernambuco (de que fazia justamente parte da elite jornalística) uma menção-propaganda disfarçada de sua obra. E isso bem (felizmente) contribuiu para alevantar o gigante prosístico que ele era em corpo de david.
Sei-o e bem, nítida e absolutamente, a inutilidade absoluta dessa atitude vital, inválida, nula, que nada acrescenta a alguém. No entanto, “esse” alguém dispenso. Porque acrescenta, e muito a mim. Mesmo no fim da vida. Porém, minha vida literária continuará. Certeza.
Exemplifico: minhas revistas (literárias?) PAPELJORNAL, SINGULAR e URUBU são pedreiras. E ninguém, nenhum desses idiotas perfeitos que sonham “ser escritor” aguenta. Bom. Muito bom.
No entanto, o problema é mais embaixo.
Há uma explicação cabal para essa atitude desvantajosa e aparentemente inarcisística. É também a antivaidade em pessoa que cultivo e de que sou adepto de quatro.
Porém, o principal fator advem de minha concepção do mundo, que comecei a montar desde os 15 anos, quando criei o Movimento Nacionalista de Vertentes. Na praça (única) da cidade, defronte à igreja (única) gritava, com um megafone improvisado: O petróleo é nosso e pregava os estudos nacionalistas do Juiz Osny Duarte Pereira, Roboré, um torpedo contra a Petrobrás, Senhor Deus dos Desgraçados de Gondim da Fonseca, etc. Dos 16 aos 19, integrei o PCB. (Paulo Cavalcanti sabia-o). Depois do golpe, escafedi.
Senti nitidamente como a vida do indivíduo (brasileiro), a partir de 1964, começou a ser modelada à semelhança do objeto de consumo. Moldada pela ditadura das prateleiras e gôndolas de livrarias e shoppings centers, a par de outros fatores que deformam a cultura, cada vez mais velozmente. Ou você se adapta bem às leis do mercado ou – não que se rebele, tente libertar-se dessas amarras, como o poema das rimas.
Cada vez mais desprovido de arte (ou conformado com a artpop) o mundo dos objetos em progresso nos pressiona todos para a arte fácil, o poeminha de escape sorriso da sociedade.
Desde sempre, desde o primeiro livro Título Provisório (1979) não aceito isso. Hoje, não lanço livro nem autografo nem para amigos. Não os boto em livrarias. Havia alguns no Centro Cultural Vital Corrêa de Araújo (Rua da Glória), retirei-os para um casebre à beira do pântano (brejo) na zona rural de Água Preta. Foi a paisagem, o ambiente rural do novoéden Retiro das Águias do professor de inglês e direito, José Rodrigues, imerso na utopia prática de replantar a Mata Atlântica (já com muitas matas nativas restauradas), que me fizeram reconceituar a poesia e iniciar, com professores e alunos da FAMASUL-Palmares, o movimento Poesia Absoluta.
Não assisto TV, não tenho computador (de nenhum tipo), só um celular-sempre descarregado. Disponho de um site POESIABSOLUTA.COM.BR e um FACEBOOK: facebook.com/USINAVCA, dos quais nunca visualizei nem uma vez. É que não possuo computador e nunca entrei na Internet. Um amigo montou e opera essas mídias. Quando há e-mail para mim, um amigo imprime-os, leio-os e respondo por escrito. Meu filho mais jovem – Murilo Gun, humorista e palestrante, tem mais de 20 milhões de acessos na Internet, e nenhum meu. E vivo muito bem. Edito um jornal, três revistas, escrevo um livro por mês e publico seis por ano (inéditos), por anos.
Me opus assim à mecanização da vida, vivida à superfície dos fatos, embora com toda seriedade política, porém inutilmente ante o sentimento desagradável e torturante contínuo da onipresença perene e crescente do poder estatal e da civilização tecnicista (meio que esteticizada), aperando e moldando o indivíduo a seus desejos consumistas e antihumanos.
Não me sinto alienado, atomicizado (embora leia Demócrito) nem sofro do sentimento torturado de ser mecanizado ou metido nas engrenagens do consumo. Nunca fui ao Shopping do Pina e deixei há quatro anos de ir aos outros. E vivo bem. Muito bene.
Tenho pleníssima consciência como esses fatores de mercado de massa, socioeconômicos, afetam a literatura. E oponho a isso livros legítimos de poemas absolutos porque absolutamente incompreensíveis (se leitor me entender, me derrota).
Optei, digamos, pela cultura de elite, porque a tal da popular é brincadeira de dominação, simulacro para alienação, é a desumanização da arte em ato. Publicamente.
Continuando o processo vital vocacional, irrompe o que chamo de opção única.
Primo, em minha literatura, pela escuridão da construção assintática. Agramaticalizo o texto. Sem dó (ou pena de leitor).
A literatura – como literatura e não como arremedo, é uma conquista diária do escritor, fruto de uma constante rebelião contra o arsenal, a parafernália de normas e convenções impostas de cima para baixo (que persegue a média, isto é, o leitor médio, multitudinário); por razões políticas (de dominação da tal média) e autoritárias, que objetivam a alienação maior e mais funda possível da “massa” (de leitores e autores). Em benefício do sistema econômico vigente e sua estabilidade ou permanência. Por que mudar a língua, criar visões escritas ambíguas, meio apocalípticas... que levem leitor a pensar, refletir e outras coisitas mais. O poema médio, bem feitinho, claro, indubitável, meridiano, compreensível do começo ao fim, digerível de imediato (com começo, meio e fim nesta ordem) não exige esforço mental e “pensamento” do leitor. A tal da complexidade poética (de que o Prof. Marcondes Calazans me apoda) é danosa à tranquilidade da alma do leitor médio... pode enveredá-lo por caminhos turvos.
Se o escritor não se emancipar da regração absoluta e do domínio pernicioso da língua como forma útil e inocente de comunicação – e torná-la realmente linguagem poética sem fito de informar, não passará de escriba do poder, adjunto medíocre inocente útil mantenedor do sistema econômico vigindo. Não é que sejamos contra tal ou qual estrutura econômica, mas é que o escritor precisa questionar tudo o que é ou aparenta ser. E nunca seguir trâmite imposto por interesses estranhos ao literário, servo do funcionalismo político.
E arremato esse colcha de recados acríticos sobre poesia com reflexões sobre o moderno.
Modernidade equivale (inclusive etimologicamente) à moda hodierna ou à moda do hodierno. Para ser moderno há sempre de ser novo. Renovar. Ou reinovar sempre. Isto é, o novo tem por determinação para permanecer novo superar-se a si mesmo. Ser sempre ele e outro. Ter um plus. Algo diverso. Como condição de definir-se. De ser. Sempre moderno, mudando.
Realmente finalizando afirmo que a prática e o envolvimento com a poesia dita neoposmoderna exige mais do que muito de quem se atreva adentrá-la, a esse cipoal montanhoso e pantanoso ao mesmo tempo. Na série de Dossiês que apresento nas minhas revistas PAPELJORNAL (hoje da UPE), SINGULAR e URUBU tento estabelecer um cânone mínimo.
Eliot, Cioran, Lezama Lima, São-João Perse, Ungaretti, Montale, S. Quasímodo, Seferis, Elithis, Jorge Guillén, Borges, V. Aleixandre, Pound, Valéry, Rimbaud, Mallarmé, J. R. Jimenez, Pellicer, Octavio Paz, Gerardo Diego, Paul Celan, Walt Whitman, CDA, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Cabral e Bandeira, destes 10 são prêmio nobel pela obra poética. Sem a formação de um etéreo e sólido capital literário não vale investir em poesia moderna. É ficar mesmo na velha, fácil de disfarçar, desde que se mistura a milhares imersos no pântano parnasiano, onde a mediocridade organizada dá as cartas rimadas.
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