O que a poesia produz é um certo estranhamento do leitor em relação ao conteúdo esquisito do poema, que não se entrega, não é assimilado apenas pelo hábito poético, calcado em convenções facilitadoras do entendimento. Fundado no imediatismo feroz.
É que a linguagem poética, realmente poética, dá as costas à significação aparente e necessária, para digerir o poema.
Um poema é resultado do uso da linguagem desbanalizada. Ele jamais se ocupa e considera e se realiza se não em si mesmo. Não há pensamento dialógico no poema. São palavras suscitadas por palavras... é a linguagem obsedada por si própria, dispara Marleau-Ponty.
Não se pensa (revolve, resolve) as palavras do poema, não as mastigamos.
O poema precisa arrastar o leitor a um movimento do pensamento ainda não vivenciado, peculiar, que se abra a vertentes de significação estranhas.
O leitor deixa de ser ele e é também o que lê e não compreende, isto é, não dissolve o signo no entendimento estabelecido previamente.
O território do poema é o que a linguagem ainda não tomou posse. O que ainda submerje no mistério, subjaz em sensações de enigmas.
Como o propósito ou objetivo final do poema não é secretar um sentido, pois as glândulas da prosa já o fazem, o poema avalia mallarmeanamente o terreno verbal, cutuca-o, alisa, toca-o o tecido da palavra, que se candidata a poema. Busca o devir do sentido, o sentido construindo-se a si mesmo, independentemente das palavras, de seus sentidos latentes, patentes, implícitos, reduzidos, avançados. O devir do sentido é o sentido peculiar que advém inesperadamente no poema.
É o arranjo sintagmático, a preferência por palavras, a sina do vocábulo, toda uma estrutura que exprime a significação.
E essa estrutura não é prévia, não é construída a priori, mas dada a posteriori, pelo poema, já hasteado o novo sentido.
Enfim, a verdade não é mais adequação, como os manuais de filosofia privilegiam, da expressão à escala de sentidos e estilos, mas transformação do leitor e do autor do texto, via antecipação do e descolamento do sentido originário.
O pensamento poético não é o percebido, o conhecimento não é o conteúdo da percepção, mas transgressão, que suscite estranha significação.
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