Quando investigo o meu espírito, o que faço de má vontade (dispersamente) e sem o vigorvital das coisas noturnas, sinto o quanto apoético anda o mundo.
O espírito é a data e o sítio onde aquele (o mundo) se desdobra. E esse lugar intranquilo e perverso é o mundo atual das pessoas alienadas ao capital e ao consumo (a usura do prazer e o prazer da usura). Então, contamina-me a certeza de que nós é que atribuímos sentido às coisas (ao real), intenção aos sentidos corporais, que são puro engodo do natural. As sensações não são o homem. Resta – quem sabe? – o sentido místico. Que é raro sobrevivente hoje.
Conclusão: o homem inventou o tempo e o universo, pensando ser Deus. O universo de Deus é paralelo e real.
Se tal é verdade: eu não existo, porque só existe o outro. Qualquer que seja.Solipsismo meio oco.
Só há um eu, só há um eu, só há um eu, martelava Valéry. (O que lembra a náiade Eco de Narciso). Eu digo, fuzilo, insisto, prego; só há o eco de eu oco, oco.
Mas existe mesmo o Ego? Se há-o, ele vive no presente perpétuo. É síncrono de si. Só o abala o debacle da bolsa. Nada mais. Nem menos. Isso porque o Ego é recente. O primeiro ego foi o de Freud. O ego de Zizek é pura imitação do de Lacan.
Não. Eis a única palavra que deveria existir. A que mais representa o ser. Id.
Quem é, afinal, esse que pensa assim penso?
Eu vim do útero de Deográcia (da graça de Deus). Útero inóspito, mas vital. Vim dele. Para quê. Para quem? Afinal. Não para mim. Vim para (o) outro. Pois não sou. Sou nada (menos nada). Nada sou. Sendo. Assim. Tal útero, na data tal e eis eu. Fruto da maiêutica natural. Ou de um útero eleata, talvez.
E vou à cova (irrecusavelmente): o útero ao contrário. Ambos buracos. Ao óvulo do verme vou (irás, tolo e caro leitor). A esmo, serei para sempre (vital). Átomo de estrela, talvez (também)!
Lembrar-me o Solitário (personagem dramático) de Valéry, que se fuzilava, negando-se a si mesmo: ‘’Assim, se só há eu mesmo, não haverá ninguém. E o outro é necessário a ser. O solipsismo, de Berkeley e Arthur Schopenhaueraté Valéry (e de certo modo de Borges, em que só existiam ele e o outro, no o mesmo) sempre tem um reflexo do poético (tal como a sombra da ideia de Platão).
Como Valéry, busco refúgio na forma, pois sou vital e nada significo.
‘’As ideias de nada valem. A forma é o que interessa’’: Valéry. E eu sou assim. Natureza às avessas. E o poema é fruto, broto, ressurgência do acaso do esmo.
Da tal de infância (que acredito não existir) guardo ásperas sombras. E algum meio-dia vagabundo. Mas nada solar. Salar. (De que proveio salário de ser). O sol só brilha talvez uma só vez para cada um. Para ti, talvez, o sol já não se levante.
E assim encerro com Valéry.
‘’O avesso da natureza, as antípodas da criação me foram revelados’’.
A imersão na poética, de modo breve, porém veloz (como deve ser o poema) é um destino guiado pela vontade de ir ao mistério. Todo poema é órfico. Toda poeticidade eleusina. E o poeta apenas uma pessoa impressa na vida de cartas marcadas (do jogo de oxigênio e nitrogênio de que se compõe a alma). Pois o espírito é de barro. Como o sopro.
As beiras do irracional, suas raias incoerentes e rentes ao vivo e puras (épuras do ser), suas margens noturnas ou impuras são doces para mim. (Como o foram a meuavô, Manuel Florentino).
A poesia intricada alça-se a bordo desse abismo (inaudito ainda).
O abandono do eu (pelo id), seu desprezo e a argúcia do irracional (místico ou não) geram minha poesia.É a usina da melhor poesia.
É uma poesia que questiona o eu (e os outros eus), eus que são a máscara da aparência, testam a coerência do real, atiçam suas ilusões sem data, extrapolam (ou determinam) seus limites. Sobredeterminam suas excelentes fraquezas.
Dixit Valéry: ‘’O eu, talvez, não seja nada mais do que uma convenção (da mente, de Deus?). Tão vazio – que é – quanto o verbo ser’’.
De minha injusta parte (VCA), só acredito na máscara. As máscaras movem o mundo. São o que são: aparências (belas ou não) do ser.
Como não sou filósofo, continuo acreditando unicamente nas máscaras(inclusive, na de Deus), Amo as aparências. E a poesia parnasiana legitima.
Eu, que sou? Quem sou? Serei? Sou? Eu.
Qual Valéry, distingo entre a prosa propositiva (descricionária) ou instrumental, que ele comparou à corrida, andada cambaleante ou não... e a poesia, que é qual dança, e ‘’não tem outro fim, exceto ela mesma’’.
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