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No poema, as palavras não são separadas das coisas, não substituem ou representam. O poema apenas apresenta pela primeira vez palavra ao mundo.

Poema não diz nem descreve, não é meio de comunicação, porém finalidade em si, objeto de si feito de palavras. No poema, o abstrato se concretiza, posto ele não ser algo particular, porém singular encadeamento de palavras que não buscam dar sentido ao mundo ou a si, mas expressá-los. (Não é destino da palavra providenciar sentidos). No poema, palavra é arma de manejo verbal.

Poema é algo vindo do âmago da palavra como fim (e não meio), que diz respeito ao caráter verbal do mundo concebido pelo humano.

A poesia não é entidade, algo separável da palavra, que apenas a use como mero meio para a finalidade de comunicação interpessoal. É algo intrapessoal. Que se modifica à medida que a poesia e o poeta evoluam. É contrária a qualquer fixidez ou regulação externa a poesia. Sua essência dialética não permite tal.

A partir do predomínio da religião monoteísta, cuja mais pura concepção foi alcançada pelos produtos da Reforma luterana, a poesia, em sua vertente mística (não órfica, que era pagã), passou a ser utilizada para proselitismo e educação dos fieis , enfatizando-se seu aspecto racional. O demônio era o irracional. O protestantismo, monoteísta avançado tornou-se, segundo Weber, pilar e instrumento do capitalismo. A religião Católica pesa negativamente, porque a adoração e idolatria a santos e mães de Deus dá-lhe feição politeísta e seu aspecto caritativo e socialista distancia-a do espírito capitalista natural. Daí minha natural admiração a São Hélder Câmara.

Como a verdadeira poesia não é do âmbito do ego, mas do ID, a poética em si é contrária à ideologia do capital, da usura, do lucro insano e exploração social desmesurada.

A ênfase da poesia é o irracional.

À instituição política dominante, não interessa ir além dos valores sociais básicos, nem incursionar no campo perigoso do conflito moral.

À história da dominação socioeconômica, não interessa a incursão da literatura (poética, principalmente) no sentido de destacar e revelar questões existenciais e avanços no campo da revolução ou modernização dos homens. Tal é da área filosófica, abstrata, não dizendo respeito à situação concreta da vida (dos bilhões de seres humanos comuns, coitados), em suas relações específicas de produção das condições materiais de existência e sobrevivência ou subsistência etc.

À história, cabe explicar e registrar os fatos e leis sociais, a partir do arcabouço e detalhes que sejam conveniente ao sistema econômico dominante ou aos interesses políticos estabelecidos.

Poema, que ultrapasse as regras tradicionais dos fatos e sentimentos específicos ou conduzam a concepções irracionais do mundo, da vida, da sociedade e busque o universo humano e não seu lado útil e prático, torna-se algo inocente, porém perigoso.

A rima domestica, a rimação é um processo de dominação e obediência rígida a “normas”,  isto é, de manutenção da tradição. E qualquer modernidade real altera as condições ideológicas recomendáveis, contribuindo – a médio e longo prazos – para o desequilíbrio social.

Qualquer mudança é nociva ao sistema social vigente, em qualquer época. E o evolver das regras do bom poetar – e sua rigidez métrica e exigências rímicas – é, além de desnecessário, perigoso e descabido.

Em suma, a concepção da poesia no Brasil é a mesma, há mais de cem anos, ou seja, o predomínio do neoparnasianismo (do poema com suas marcas identificadoras de rima e métrica legais). E qualquer tentação de mudar tal quadro bem estabelecido é fatal. Não a mim, mais aos outros poetas costumeiros, os habituados.

Quase todos que leiam dirão: VCA é irracional. E sua poesia absoluta puro delírio. Agradeço os elogios antecipadamente.

A poesia absoluta não só é poesia nova sem pedanteria de vanguarda velha, não é só mais uma forma morta presa da tradição sem trégua. É mais que mera novidade: é erupção do novo na calha velha da palavra, na lauda não mais orvalhada – é já bem ressequida da poesia brasileira vencida.

Ele exige sensibilidade nova e não mais espaços para velharias sentimentais (e “romantismos” do século XIX e tais). Ruídos de tradições reacionárias, velhos apanágios enferrujados, corações partidos ou trocados (como moeda de amor sem curso), ela despreza.

É sobretudo humana a poesia absoluta, e, por decorrência, complexa (não é poema pra leitor qualquer ou qualquer leitor, não, o poema absoluto). Que elementares ou relativos leitores não perdoem, tanto faz.

Ela é complexa porque feita de palavras vindas da veia do verbo, veio do barro original. Porque o homem não é simplório como parece ou como querem que (a)pareça). O homem é um sinal, não mero animal. Pois dos gestos verdadeiramentes humanos (não místicos) ira não brota, nem de seu olhar não cresce a escuridão do ser.

Assino meu nome na insônia

(com folhas de acácia e água de laranja)

olhos capitulando ao azul câmbio da luz

à névoa do sono cada vez menos

resisto

sombras sempre se insinuando

o ânimo me abandona em meio

a pântano do mar de insônia

entrego-me a trevas restauradoras

(que colho entre os sais do verbo)

e a inútil eternidade não me alcança.

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Murilo Gun

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