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Sex, Abr

Ensaios
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Vital Corrêa de Araújo

O poeta incrementa a polissemia da palavra. Esta é sua sina e obra. A transferência de sentido é vital à poesia. Mestre da metáfora e doutor em aliteração, processo este, que provém de ritmo peculiar o poema e aquele, que embeleza a linguagem poética, impossibilitando a univocidade, graças à ênfase de plurissignificação que concede, Admmauro Gommes tem nos brindado com uma obra ensaísta e poética inavaliáveis.

 

 

Sua mais recente façanha poética toma a forma de uma especial maratona com o verbo. Em 2013, mergulha (com id e tudo), numa composição poética, e da imersão em tal processo, que durou contínuos 26 minutos, levanta o poemário (épico na acepção de algo de alta qualidade e fôlego demiúrgico) DEMOROU MUITO. Embora não tenha demorado quase nada. O título já traz um dialética irônica e um contrassenso que antecipa o conteúdo do trabalho poético.

Consumiu o poema, de 13 estrofes e 120 versos (ou linhas – com 11 pausas), 26 minutos – 21:14h às 21:40h, do dia 17.02.2013. E “exatamente” 50 minutos para corrigi-los.

Flagra-se do início uma especial atenção a uma estratégia poética, em que se percebe uma solidez e firmeza de abordagem consistente em crença no sol e mescla de estações. Escada, degraça, pedra, sol nascente, tempestade, madrugada, outono, inverno, verões (primeira estrofe). A segunda estrofe traz o caminho: passos, pé, perna (em que duas é demais), tronco (da injustiça, tortura), culminando em correntes de férrea agonia. A terça estrofe inclui dor, ilusão, dilaceramento e desespero de espera.

Esse intróito é vital à AG para o périplo pelas palavras, num itinerário heróico e resoluto calejar de mãos e intumescer das veias do pescoço para suportar a carga do mundo, os ombros da existência, os sacos de aço, os temores e a resistência textual.

A qvartvor estância de apenas oito versos é belíssima em sua concisão diamantífera, em que a metáfora vegetal excele e a sensação de seiva e o floema essenciam o líber da árvore poema. Imerge então o poeta num labirinto de esforços e naipe (ou paiol) de dificuldades que resultam ao renascer uma esplêndida manhã poética, numa olímpica vitória da poesia a desfilar na página de taça na mão.

Toda essa fervilhante inquietação, essa problemática exposta sem fraturas dizem respeito a fases e complexidades de composição do poema. Admmauro Gommes transparece o processo poético, prenhe de criatividade. Exerce ele uma demiurgia capaz de ordenar o caos (e ordenhar o cosmos), usinando palavras, siderurgiando metáforas inoxidáveis, com o aço essencial do verbo (e sem cansaço)!

Advém então o súbito, em forma de questionamentos e interrogações prenhes de imagens da mecânica dos dias, subtaneidade que intensifica a luta textual violenta, vital, com tapas, empurrões, pancadas, ladeiras, decessos, quedas de ponta-cabeça, situação que leva poeta a “comer degraus” e pronunciar palavras noturnas que exalcem claridades de manhãs, tardes grávidas de noites e noites irmanando com a morte, janelas escondendo máscaras e muros falando a língua do silêncio.

Brota então a visão maior e alta de

que a melhor maneira de combate

é a permanência dos olhos abertos

à espera de que as sombras pereçam. E

o poeta não fuja das palavras.

 

E límpida, e mesmo meridiana, floresce – como rosa do asfalto, a visão de que o nada nada mais é que nada, o que, se é difícil de entendimento, é passível de substanciação pelo poema admmauriano.

Em suma, Demorou muito foi um poema rápido (não ligeiro) e essencial. Uma necessidade apodítica, algo provido de intensa purgação, capaz de forte catarse, situação a que o poeta se voltou, com propósito irrecusável, para construir um poema que desconstrua a tradição dialeticamente superada, enferma de anacronismos insustentáveis, e inaugure uma poética nova, e privilegie uma nova modalidade de rima, em que a sensibilidade lírica seja exponencial.

Demorou muito de Admmauro Gommes é um poema inaugural de uma poética que avulta e abre a veia da poesia brasileira a perspectivas inovadoras do nosso verbo poético. Assim, o Prof. de Teoria Literária da FAMASUL – Zona da Mata – PE, Admmauro Gommes faz história e se torna contemporâneo dele mesmo na poesia.

Eis um exemplar exemplo de Poesia Absoluta. Caso em que a expressão poética independe das variáveis categorias ou condições de espaço o tempo (kantianas ou não). Daí, a falibilidade do argumento de “36 minutos”, que nada exprime de relevante ao poema.

Eis um objeto de palavras, com começo, meio e fim, absolutamente não nessa ordem.

Eis uma situação poética verdadeira (também porque absoluta), em que o poema termina em meio a uma mera ou sublime perplexidade, posto que se trata de domar o caos do verso que reflete o do mundo, em busca do cosmos verbal humano. É a ação demiúrgica de um poeta abraçado à luta (vã ou não) com a palavra para dar sentido não a elas, mas ao mundo.

Eis um dos poemas capitais da neoposmodernidade poética brasileira. Um poema do nosso tempo. Não do outro. Porém de Admmauro Gommes.

 

ADENDO: A marcação (os 26 minutos de construção poemática) é um falso pano de fundo temporal, uma astuta e diversionista forma de disfarce da realidade aparente: AG, em Demorou muito (pouco), apenas produziu um poemassíntese, num movimento calculado, porque consistiu apenas na realização de um potencial poético acumulado ao longo de uma vida magistral de preparação refletiva e filosófica, que redundou na atualização de uma potencialidade expressiva rica e conseqüente, isto é, consciente e elevada. Mesmo ídica.

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Murilo Gun

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