ID (DAS ES)
Vital Corrêa de Araújo
Em Alemão, id é “das es” que significa isso ou aquilo. Freud e seus seguidores observavam crítico e criteriosamente a reação de pacientes que oralizavam subitamente sintomas, atos, reações, e explicavam: “aquilo foi mais forte do que eu “ou” isso me veio de repente”. Essa coisa misterioso, selvagem, irrompendo do súbito, de dentro, centrípeto, mais forte do que o eu, a pessoa consciente, o paciente. Isso ou aquilo inusitados tornaram-se, constituíram o ID, forças desconhecidas e indomáveis que nos vivem. Grande reservatório da libido ou energia pulsional (de vida e morte). (A energia usada pelo Ego é retirada desse fundo comum, dessa bacia ou reservatório de ímpetos, sombras, êxtases e dores ou êxitos e temores).
Segundo Nietzsche, é o que há de não pessoal e, por assim dizer, de necessário por natureza no nosso ser.
Algo (poético) que vive em nós, enjaulado e livre, maior que a alma, ou mil mares, sob a forma do eu dessexualizado e sublimado. Em alemão, das ich=ego, das es(isso)=id. Em hebraico, ish=homem e isha=mulher, curiosidade.
O ID é uma região, um processo, um dínamo, uma usina de força psíquica, com alto potencial expressivo, não limitado por espaço, tempo, matéria, dotado de uma lógica especial (quase dialética) que se introspecta. E a poesia é uma forma de abordá-lo, dele extraindo potenciais expressivos insuspeitados – e puros como a neve ou o hímen. A poesia é um modo de atualizá-lo, trazê-lo até nós (e até vós, leitora empolada enjaulada no ego e dominada pelo superego – o grande outro de Zizek lacaniano).
A escavação do ID revela riquezas sem conta. Além dos impulsos recalcados (Freud), além das características arcaicas (Jung), novos conteúdos se revelam pela introspecção das percepções cognitivas profundas camadas noológicas e registro (ou pegadas da alma) de vidas ancestrais. É também o reino quase inviolável dos arquétipos que padronizam e modelam escusamente e de forma meio inconsciente nossas vidas, mesmo deformando-as.
Jung, no ID (na sombra, arquétipos), encontra fatos, não teorias.
Abordar o ID é um modo de ir a dentro do si. A poesia promove a retrospecção do id. E também o introspecta.
Estratos de ordem psicológica, psicofísica, psiconoológica e psicossocial estruturam o ID (de sombras vivas e surdas alicerçado).
O ID é um comandante nas sombras (sombras que Jung conceituou, pesquisou e deu certo rosto). Saber algo das decisões dele, do ID, é importante. E a poesia é um instrumento para tal. Ou assembleia que reúna, em torno da mesma mesa da mente, ID, EGO, SUPEREGO, e o leitor (o grande outro de fora do poeta).
Sócrates, com seu “conhece-te a ti mesmo” induzia uma autoabordagem mental, um tipo de conhecimento não-objetivo que denominava de maiêutico ou parto do espírito. O autoquestionamento levava ao conhecimento.
Freud figurou o ID semelhante a um iceberg. Ou seja, o terço visível é a consciência (ego) e os dois terços submersos na estrutura cerebral compõem algo recluso, misterioso, incansável, abstrato, um potencial imenso, uma energia formidável, algo que tem similitude com as subpartículas (os quarks) imersas no núcleo do átomo (este seria a consciência, o id o universo quântico, subatômico comparável, mutatis mutandis, ao universo (cosmos).
A contribuição de Freud, o descobridor do ID: conjunto de processos dinâmicos, composto de desejos recalcados e libido (esta um reservatório de energia psíquica quase insondável). Jung: o inconsciente coletivo habitado por arquétipos, matrizes ou padrões arcaicos provenientes da ancestralidade (animal) humana. Para ambos, o ID precisa ser aflorado ao consciente pelos métodos e formas que pregaram. E é ao que se propõe a Poesia Absoluta. Sua meta, seu leme. Crivo, fulcro.
ID é o mais novo título poético de Vital Corrêa de Araújo. Edições BAGAÇO e IDEIA. ID traz prefácios inestimáveis, lúcidos, mesmo científicos e eminentemente literários de escritores especialistas: romancista e psiquiatra, Professora Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque; jurista, economista e escritor, professor Roberto Cavalcanti de Albuquerque; psicanalista e poeta, jornalista Osman Holanda Cavalcanti e Admmauro Gommes, Professor de teoria literária da FAMASUL.
Nota: ID vem do latim. É a tradução de Isso (Das es em alemão), advinda de Freud.
PROGRAMA LEITORAL MÍNIMO OU MAIS
Mais hospícios para juros enlouquecidos
mais ágios para debêntures agonizando
mais pocilgas para pérolas bem roladas
mais coleiras para gargantas de madames
mais porcos para banquetes de magnatas
mais dietas rígidas para obesos sujos
para seios rijos álgidos mais bolina
mais copos de cegas náuseas cheios para banqueiros
jurados pela morte monetária
e acólitos enojados
mais caldeirões de pez e espadas de dâmocles
para injustos magistrados desonestos
mais sais para pias batismais lassas
para inconscientes banhos mais incrédulas bacias
para desonestos políticos mais lodaçais a suas almas
para candelabros turvos luzes falsas
mais patos para alimento da parvoíce
e cintos para castidade do cilício
e mais, mais penitenciárias, mais
para imperadores, títeres, déspotas
de qualquer ordem, usurpadores de toda laia
câmaras de ferro, correntes, dentes de dragão
para torturadores (idos e vindos) e o mais ínfero
severo, abominoso e iníquo inferno (e sevícias puras)
para suas almas torturadas (em nome das vítimas).
Mais lastros de ruínas, hecatombes de vergonha
mais desprezo, mais infância e desdouro
para os corruptos do mundo inteiro.
Para poetas mais palavras.
Para leitores mais desvelo.
VERMELHA GUERRA
Vermelha a guerra pálida paz
ermo o mar a onda serva da areia
a espuma e a concha bivalva vulva
de onde brotou Afrodite nua e seda
que sopra meu corpo pedra
o riste encarnado, o falo bêbado
de cúbico desejo louvo o céu, a sânie, o sêmen
pluma ante pluma ela veio alada vela
o desejo pingado do bico ereto do peito
pousar em meu corpo solitário
escuro... e deixou-me cheio
de êxtase... e leite.
ARITETIA DO POEMA
E DESVISÃO DO MUNDO
O poema pode constituir, abranger, ser
uma mera e simples parcialidade
algo intranscendente que vele o real
(parcelar e bem medido talvez)
ou um total e completo caos (criador)
uma totalidade radical do real
(incluindo aí todo ou muito do irreal).
O poema parnasiano transposto para o século XXI
(esse absurdo e doente e malvado anacronismo santo)
pelo soneto descritivo, moralista, agradecido
ou mesmo meio mirabolante, suado, criado
não é literatura (hoje), é literalidade (não
literariedade). Descrever não é revelar.
É velar a essência, mascará-la
de ritmação externa, ábaca, rímica.
A descrição sonética de uma emoção pessoal
de uma situação “moral” ou comemorativa
(aniversário de mãe e essas coisas e tais)
é imbecilidade esplêndida, digo, exponencial.
Descrever (cantar d’amigo agora) equivale
a sonegar a essência que é imprecisa
pela precisão do poema (de exatidão aritmética).
ESPERE E DESESPERE
Espere, leitora voraz, a cada hora
irromper a desmemória, a navalha
o breviário da espada, a loucura da palavra
espere outra aurora de ira e usura
o galope das debêntures, os ágios ágeis
desembestados na hara bursátil de sempre
porém há um reino escuro e irredento
que títeres monetários não arrepanham
aquele em que vigore a magia do id
o que a máscara do ego esconde
e que poema escandido teme desalozar
de seu tugúrio longo e curvo
e tudo fica como está porque é assim
porque não há vir a ser
só que era é (e será assim assado) até
tudo num vento esvair-se
como o rosto
e ficar o pó
porque é eterno.
OS NOVOS TEMPOS, A NOVA VISÃO
Vital Corrêa de Araújo
Ao considerarmos as coisas, os acontecimentos (objetivos e pessoais, externos e íntimos) como naturais (o mundo é assim mesmo, isso tinha de acontecer, entregue a Deus), estamos sendo fatalistas, servos do destino, alienados, produtos do acaso ou da atitude de outros (que dominam, via PIB). Procedemos de modo automático (seguindo “a opinião pública”, a “classe média pensante”, os políticos empresários etc). Isso é aquilo. E pronto. E só. Não adianta reagir. (A reação veio com Mayara e cia). A visão automática do mundo imobiliza e é o inverso de uma verdadeira concepção do mundo. Tal como a tínhamos entre 1945 e 1964 (e que a apedrejaram, apelidando-a de comunismo). A que vigorou pós-64 foi uma concepção confusa, reativa, imposta pelas armas e métodos anti-humanos de imposição, imóvel, parcial da realidade. Após 21 anos do regime do “medo de pensar”, a confusão ideológica alcançou as raias da perplexidade.
Acabou o regime militar. A crise econômica é grave. Inflação de 150%, desemprego, atraso, analfabetismo funcional como nunca se viu, todo um povo que desaprendeu a pensar. E voltar ao pensamento, após 28 anos (golpe, Sarney e Collor) é obra titânica. Leva mais 20 anos. Assim, o coitado do brasileiro não conseguiu instituir, compor uma (nova e prima) visão do mundo, da vida, da sociedade. A que existia até 64 esfumou-se e os visionários (a maioria) morreram.
No estado (das coisas) atual, só a arte redescobre, retira o véu da realidade, contribui para desarmar, desmontar a visão automatizada, reacionária, atrasada da realidade.
A teia espessa, a trama estabelecida, o véu de alienação do brasileiro e duradouro é profundo e desalentador. Desvelá-lo é função e papel da literatura, em especial, da Poesia Absoluta, como profilaxia e terapêutica ideológica associada às lutas políticas agora iniciadas.
RESGATE DE ANTIGAS NOTAS
(OU LEITURA ESCRITA) DE QUANDO
TENTAVA “ENTENDER POESIA”
VCA
A poesia se caracteriza por um uso inovador – e não repetidor de formas e sintagmas, de expressões rimadas e vocábulos mensurados como batatas, uso inusitado – criativo, não imitativo, uso imprevisto, desconcertante, utilização sempre no limite da bela incompreensibilidade – isto é, não fácil, cômoda, esperada, arquitetada compreensibilidade, das possibilidades infinitas, ou mais que muitas vezes infinitas, da língua, do código da fala. Um dos fatores (o código) do processo linguístico ou do ato de comunicação verbal. Os outros cinco fatores são destinatário (leitor), destinante (poeta), referente (objeto), contato (inter-relação ou conexão física ou psicológica).
Daí, é vital o jogo denotação, referência, conotação, circunreferência. Como os linguistas advertem: o signo não é igual ao que ele denote. Flor não é a palavra flor. Que somente poetas confundem rosa com o signo rosa, encarnada com uma borboleta navegando no ar, veleiro rubro em mar de vento, em ar de pássaro. João Cabral de Melo Neto, em Antiode, afirma, diz flor é a palavra flor. Flor-palavra independe de flor-ideia. A poesia usa a palavra flor no poema e não a ideia flor. Daí, estar certo Mallarmé: poesia se faz com palavras, não com ideias. Prosa é que se faz com ideias e palavras (nessa ordem) imbrincadas, insoluvelmente ou não. E Sartre (assim como antes Rilke) dispara: no poema, a palavra funciona como coisa, não como veículo de ideia. Um dia se faz de horas e suor. De sais de meditação. E de nitratos de negócio ou ritos bursáteis.
No aspecto (ou capítulo) da tradução de poesia, torna-se aparente o problema da forma poética e da transmissão de significado.
É patente a mã tradução do poema, afirma peremptório Walter Benjamin, quando a mesma se resuma (como acontece em 96,2% dos casos) à simples tradução da “mensagem” (conteúdo referencial, referência a algo da realidade, objetiva ou não).
Isto é, quando o “tradutor” (geralmente não poeta) se esmera em encontrar iguais ou semelhantes denotativos nas línguas alvo e mãe. Pedra é pedra. Caminho, caminho, flor não é borboleta flutuando, é flor, flor, flor. Como rosa é rosa, é rosa, é rosa. (Gertrude Stein).
Aí, Benjamin é impiedoso, cruel: no caso (de tão mã tradução poética), ocorre “a transmissão inexata de conteúdo inessencial” (conforme nota que registrei atribuída a Haroldo de Campos). É que em poesia se traduz antes a forma (o que é difícil como o é a beleza) e não (ou só depois e incidentalmente) o conteúdo. A poesia não está (e nunca esteve) no conteúdo (no significado), porém na “forma” do conteúdo (no significante).
O poema é construtivo do texto. E não este construindo o poema. O texto antes do poema, gerando, como efeito ou consequência mera, o poema.
Por isso a poesia causa alegria fônica (no poeta e mais ainda no leitor leitor, apto e consequente, consciente do que seja poema, do que É poesia. Poema não significa, É.
Retomando a expressão uso inovador inusitado, estranho, ambíguo, “incompreensível” da língua pela poesia, ou pelo poeta ao injetar poesia no texto, que só assim deixa de ser prosaico, ver-se-á que nas mensagens atreladas a referências (do mundo, do eu, da coisa, da incoisa), faz-se o uso normal, correto, decoroso, puro, político da linguagem, tal como se nos apresenta, normal e gramaticalmente. Consequente. Por que a prosa, o texto prosaico (em verso ou não) utiliza, em sua totalidade, os recursos sintáticos, morfológicos, psicológicos, em suma a estratégia gramatical da língua, em toda sua extensão?
Para facilitar leitor. Ou a quem se destine o texto, informativo, científico ou não, isto é, se complete e atinja o alvo ou objetivo primo: a comunicação (prosaica). Quanto menos ruído (na prosa, mesmo a de ficção em casos de destinatário jovem, pouco compreensivo, laico, comum, normal, que esteja a fim de entender logo a “mensagem”), quanto menor a distorção (entre o escrito e o dito, entre o significante e o significado, entre a forma e o conteúdo), melhor para ambos (escritor e leitor), satisfazendo-os felizmente. Neste caso, a ambiguidade é mortal, é vedada, é totalmente fora de norma. A frase (referencial, prosaica) deve ser inflexível, lógica, clara, denotando exatamente o conteúdo, a informação ou mensagem a que se propõe. Fora disso é o desastre ruidoso, deformante, a incapacidade vital de quem escreva. Como o meu caso.
O ideal, o propósito, todo o desiderato da comunicação referencial se resumem no uso extremamente denotativo do idioma, na extremíssima logicidade (absoluta) da mensagem, em suma, univocidade absoluta e única do texto. Ambiguidade zero. À poesia, sim, exige-se total e completa equivocidade.
O uso imperfeito da linguagem redunda em poesia. E isso é contrário ao direito e aos negócios humanos (e cia).
Garanhuns/ Palamares junho/2013
A leitor que seja destinatário especial, complexo, inteiro ( como os da FAMASUL). Ao leitor de Poesia Absoluta.
VCA
PONTO DE VISTA IMPONTUAL DO EDITOR (2)
A razão tem necessidade da imaginação.
A imaginação é a geometria e a álgebra da poesia.
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Leopardi reivindicava a poesia do indeterminado.
E afirmava que ao leitor compete terminar o
poema. E que o poema nasce de um ímpeto,
brota de um assombro, vem do id vivo.
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E o poeta cansado da noite modernista
fatigado de abstração e figuras complexas
estendeu-se numa rede do parnaso
estirou-se numa aurora condoeira.
E amou o soneto como a ninguém.
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O passado não me influencia. Eu o influencio.
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A poesia trabalha, regrada, lavorada, manipulada, o poema parnasiano e suas normas e exigências aritméticas e sonoras, que vigem hoje ainda infelizmente, estampadas nos compêndios e aulas das universidades, lastrando os cursos de Letras. São uma magnífica e plena contribuição ao passado, à deseducação do futuro, a deletar a poesia por vir, a insensibilizar o jovem contra os valores da verdadeira poesia lírica.(Carpeaux).
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Marx, a despeito de sua visão evolutiva da história e da arte como superestrutura sujeita a flutuações estruturais (que a faziam evoluir), não conseguiu se distanciar e desvalorizar a arte helena, e poeta proclamou “o encanto eterno da arte grega”. Ou seja, independente das circunstâncias sociais (e estruturais) do passado que a geraram, a arte ática e dionisíaca, a beleza e a proporção da estatuária grega ficaram impressas na retina e no coração de Marx.
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O problema poético (reacionário) do Brasil é que nos sincronizamos hipnótica e totalmente no parnasianismo, tornado neo (avançado) e esquecemos que a característica vital da poesia é o diacronismo. Ela (poesia) imerge no diacrônico, que é seu estado natural e que a leva à evolução, transformação de formas, dialeticamente incorporando a tradição e a superando. Ora, se estamos umbilicalmente atados ao soneto (por mais curioso ou mudado que seja), estamos em sincronia com o passado (com um passado passado) e como tal não estamos sendo contemporâneos de nós mesmos. In casu, a sincronia (falsa, injustificada) se assemelha (e é) anacronia pura.
O diacrônico nos prende, nos enleia à tradição (parte dela, seu torso criativo), mas não nos acorrenta a nenhum passado (bilaqueano).
Se escapamos (no caso da poesia brasileira em geral) ao movimento histórico-evolutivo (dia-crônico), ficamos aferrados (atados ferreamente) ao passado passado e bem passando. E a poesia brasileira continua passando (passada).
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“Frequentemente, penso que um jovem passa a vida obcecado a (em) reunir fatos que lhe permitam mentir, ao passo que o romancista (jovem ou não) é uma espécie de escravo da imaginação (servo do id), que sempre procura a verdade”. Norman Mailer. E que a increpa (a verdade) e dela nunca discrepa. (VCA).
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Qual a cor do destino? Não era o amor, era
apenas uma noite de prata.
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Sei que é profano meu destino.
Sou um profeta ao avesso.
Martirizo o verbo (com prego). Não o prego.
Para mim, o verbo é de barro. Não de carne.
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Neto certo temor em reconhecer o novo (mesmo
já sendo velho). O temor do eterno considerado
fronteira. É nojenta a calmaria
impura, a sobrevivência, a impotência
imponente que vige na poesia brasileira (em
geral, no todo).
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Que rio é esse pelo qual corre o Ganges? (Borges)
É o do tempo (no leito ainda heraclitiano.
O do tempo absoluto (VCA).
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O que divide ao meio a alma é o desejo.
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Todas as vanguardas são vãs.
É tempo de revanguarda.
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Nunca açucare o poema
com receitinhas doces. Afáveis.
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Aromas bursáteis, deteste!
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Amo grito de pedra.
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Ouço usinas de sons na poesia.
Dínamos que demiurgos rejam.
Cantos que a palavra siderurgie.
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O verbo é de barro.
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A beira da loucura é áspera ou macia?
Portentosa ou sublime ou banal?
É holderlinamente pura (como épura).
A loucura é ascética.
Toda ascese é insana.
ANOMIA
Se no tempo de Homero, houvesse existido um manual da epopeia, codificando normas e estipendiando regras para feitura normal (e normalizada) de poemas épicos, Homero não (nunca) teria existido como poeta maior. Seria mais uns milhões de poetastros, que por aí pululam, como o fazem hoje. E Ilíada e Odisseia seriam o besteirol de antes de Cristo.
No tempo nosso, em que a poesia tem manual de regras, normas de contagem silábica, dicionários de rima, “regras de arte poética”, para ser poeta há de se rebelar contra essa besteirolada toda, romper cânones e hímens de vedação com o falo do lápis da alma em riste; desprezar o tal do ritmo mecânico silábico e rimado. Deixar a silabada de lado e a rimação sonho e tristonho. Para ser original. Ser poeta, sim.
As regras, a normatização, os manuais de metrificação, as cartilhas e tratados de versificação existem (servem) para impedir a liberdade (como as normas jurídicas).
A universitária Farla Rosendo escreveu (ao que presumo o primeiro poema ou o único absoluto) um poema (que publiquei na Revista PAPELJORNAL nº3), pode-se dizer perfeito, um poema absoluto, somente porque em palestras porque eu disse que o poeta moderno (pode ser qualquer um) nasce a partir de um ritmo de iniciação: queima dos indefectíveis dicionários de rima e tratados de versificação.
De imediato, solta, livre o espírito, sua alma foi à forra, e Farla escreveu um grande pequeno poema, em que cria o sintagma grãos de sol.
É que a regra métrica, a exigência rímica, para forja do ritmo mecânico ou metronomal congela a imaginação, enjaula a criatividade, deleta o espírito e impera o reino quantitativo de estrofação canônica, número de sílabas regulares de versos, coincidências sonoras iguais de sons finais (dos fonemas). O poeta é presidiário do poema.
Poeta não imita nem segue regras que aprisionem o espírito ou que previamente guie o seu poema. Poeta cria, inventa, imagina (inclusive as regras e inovadoras gramáticas). Livremente.
POESIA COISA
A materialidade (reificação)
dos signos–palavras–no–poema, via
operações de seleção e combinação
forma o poema (coisa, objeto de palavra):
o poema é algo mais físico que
psicológico. Sólido que não se
desmancha no ar como a prosa
que transmitida a mensagem que veicula
nada resta, senão literatura.
A linguagem transparente (destituída
de hermetismo) e transitiva não é poética, é
literária raramente. O é o véu que vela,
não o véu que revela.
A emoção, o sentimento fundo, a motivação afetiva, o que eu (poeta) sinta, no momento do poema, a vivência de um estado emotivo, de uma situação lírica, pessoal, íntima ou não, não geram poemas (não formam, compõem, estabelecem status poético). Pelo contrário, provocam desastres poéticos, bastas lágrimas, das quais nem o sal se aproveita. E tornam ridículo qualquer dito poema advindo de uma situação emotiva, de um êxtase individual, que só interessa ao foro íntimo (ao indivíduo, não a poeta) e a mais nada ou ninguém. Algo para estampar em diário sentimental ou ler em aniversários ou velórios.
Isso, tal comportamento (sou poeta, rimo, meço etc; quando me emociono salta poemas como fagulhas de uma fogueira moribunda) cria uma imagem falsa do que seja poesia. E essa tal (mau) imagem prepondera no Brasil, de norte a sul da alma brasileira, de leste a oeste de nosso espírito logrado.
Um senhor – que não sei se conheço, Nejar, escreveu uma história da literatura brasileira que é uma lástima completa. E espraia bem a falsidade da poesia.
Livre não é o verso, quem está livre é o poeta, sua imaginação solta das cordas métricas e das regras privativas da liberdade espiritual dos fatídicos e fatigosos manuais de versificação.
Farla Rosendo, livre da obediência castradora a regras rígidas que ela estava a aprender (internalizar) ao longo do curso, libertada solta do catecismo metrificante e castrador, num ímpeto, num arroubo de liberdade, seu espírito, sua imaginação criou um poema absoluto, a poesia do indeterminado, de imagens originais, nada discursiva ou descritivistica, apenas poesia.
Cabe a leitor determinar o poema, dar-lhe tema, escolher dentre o rol ou espectro de plurissignificação àquela que o deleite.
POEMA OBJETO
Não restam mais dúvidas críticas (ou não), no poema – objeto de palavras, coisa figurada, metafórica, o válido é o lado sensível, palpável, icônico do signo. Daí, Sartre afirmar que a palavra no poema é considerada como coisa, Mallarmé declarar que, na poesia, palavra é palavra (e não mera representação de ideia). No poema ocorre uma iconização da palavra (do significante).
Para assumir o estado estético de poema, é-se preciso e necessário, não a representatividade da mensagem (como no caso da prosa), porém a figuração (ou refiguração) dessa mensagem, isto é, sua forma, que sintetize (sutilize) e comungue conteúdo e signo.
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