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(ou a forma desprovida da ratio artística)

A atividade artística em geral reside e se consubstancia na criação da forma (ou das formas). Exerce-se tal ato no âmbito de um estilo que seja pessoal e irrevogável, mesmo irretratável. E nunca mecânico.

Em poesia, é norma a dissipação, a suspensão e mesmo a privação do sentido. O sentido não dá forma. Vice versa.

A nova sensibilidade poética que deveria grassar no Brasil está temporariamente apagada. Rasurada. Não aceita.

Eu, Rogério Generoso, Admmauro Gommes e Osman Holanda Cavalcanti somos exemplos de uma poesia rebelada contra o estabelecimento poético reacionário dominante. Incrivelmente, os poetas brasileiros de hoje se submetem à recolonização parnasiana, desde 1945 em processo de seqüente revascularização lírica anacrônica.

Não racionalizo minha poesia em poemas conseqüentes e justos, porque ajustados à ideologia lírica dominante, porque resisto a sua adequação à linha de produção industrial da palavra em série ou matriz infecunda. A valorização econômica da rima, a mecânica métrica. Que são resquícios e peças de prova do atraso cultural literário do Brasil. Museologismo do palavrório.

Sonetar é assumir a racionalidade formal como expressão geral dos valores universalizados de uma cultura poética imposta de cima para baixo como estratégia de impedir o desenvolvimento da poesia brasileira. Cujo progresso resultaria num aperfeiçoamento consciencial inócuo. Num combalido ato contra o desvalorvigindo. Combalido porque inútil.

A sonetinização produz coletividades passivas, impede a valoração pessoal do poeta, que, se sair do pântano geral da forma fixada, é ou reposto de volta constrangido ou se isola como rebelado inútil, numa ilha de seqüelas sólidas – de solidão indomável.

Todo empecilho será permitido. Toda tradição esclerosada benvinda.

A perda da dimensão individual, interior, em prol do sistema geral(e comunitário) da poética, empobrece a arte da palavra brasileira. E desvaloriza o espírito. Debulhando-o em desimagens lívidas.

(Os que dirão: o que ele quis dizer, são os de quem falo).

Há um esforço clínico em coar e separar o poético certo “cívico”, conseqüente, e o sublevado, inconseqüente quase impatriótico porque ofensivo à língua (como pátria).

Tais como o vidro, o aço, a luz e suas velozes geometrias cortantes, agudas e os cristais antropófagos e laminados que ofendiam a velha arquitetura (bárbara de truísmos).

A reprodutibilidade técnica do soneto rasura a aura poética, impede o avanço emocional da palavra poética em nossas veias sedentas do novo frêmito (ou frisson) do sangue verbal. Que a poesia neoposmoderna traga.

A racionalidade estético-técnica ou funcional imposta ao se pregar a forma rija, o formato (o formol, o fórmico poético) poda a dimensão espiritual, retira a alma da palavra e a substitui pela pele do vocábulo. O nome dicionarizado – e certinho – reina inconteste, prega-nos, como máscara, ao rosto, luva à mão artesanal.

A dimensão real da obra de arte literária, sua forma livre, aberta, embora rigorosa, foi perdida, sacrificada nos altares da técnica versificatória, nas aras da rima perfeita, quase sacra. Tudo resumido num pragmatismo político-estético-econômico com ares salvacionista de podres tradições literárias. Ou manutenção do domínio arcaico.

E desacreditam Hegel que afirmara: a figura artística deve se apresentar a nós como um deus íntimo (SeligenGoff).

Algo de cartesiano – como estratégia de alcance universal a nível de Brasil – ocorre e legitima a reprodução da forma (como forma reprodutiva, fértil). Eis em ato a máquina (produtora da forma) que denta em tiras a autonomia da criação, racionaliza e multiplica numa mesma bitola os poetas de agora. Esse maquinismo incivil funciona movido a combustível de rima, motorizado por moldes métricos rigidamente impostos pela máquina cartesiana da poesia brasileira. Poesia mecânica por excelência (e indefinição).

O sentido da arte (Ernest Frasti) como expressão de algo mais real que nós mesmos perdeu-se. Substitui-o a passividade de um sujeito servo do eu e devotado as suas deficiências e necessidades abusadas, mais materiais que espirituais. Eis o drama humano real transposto à poesia brasileira d’agora até quando (?).

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Murilo Gun

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