03
Dom, Ago

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A palavra em devir

o verso desvairado

o pleno aberto, a veia exposta da verdade

incerteza e esperança de mãos dadas

o indelével súbito e trêmulo.

 

A hora dos espelhos, rompimento da aurora

o hímen da manhã esfolado pelo falo de luz do sol

o átimo do amanhecer como a morte

o brilho incrédulo, a tez faminta

faminto sonho do qzar

o estofado do trono entupido

esfarrapado o domínio

e a glória inchada de desdita

e o dom agonizando como um domingo.

 

O lirismo das horas proibido

a épica do tempo interrompida

soterrado o dionisíaco

a colheita destruída

o enxame dissoluto

e a alma espalhada como palha

ou espantada como pássaro pelo espantalho.

Claustros envelhecidos

rosas mortas do pátio branco puído

clérigos embriagados com a glória e o álcool

homens e copos solitários no ingente mosteiro

o mundo dentro de nada

o homem fora de si

a vaidade naufragada na própria baba

o instante indistinto

a ternura esmagada

conventos tão polutos quanto fezes ou anáguas

como a vontade ou o instinto do homem deserto

Deus incandescido, descontente

com o coração escuro da criatura

planos inclinados contra a alma

esmaecidos e tristes amores

tecidos bêbados de silêncios

teares e tabernáculos arrombados

ramos que o vento dilacera

flores que o outono disseca.

E meridianos apontados celeremente

a meios-dias devorados

por tardes de faminto Saturno.

 

O espirito lavado com sabão de abutre e água húngara

a verdade rachada como um limão, espremida como a mentira

coração sem punhal ainda

hospitais onde passeiam

assépticas tristezas brancas de dor

e o odor à morte santifica

hinos estáticos, prantos sem parto

angústias decifradas ou amordaçadas ainda

com comprimidos decimais instruídas

odores nauseabundos como lugares ou legumes

a purgação de si questionada

o eu aberto como pústula

ou panarício desesperado

a identidade removida como esparadrapo

o solo encruado do espírito

e as vísceras do sal afastadas como relíquias

a nostalgia cósmica incontida

o amor terrestre diminuído

gota de sangue em fuga do coração

cega travessia da existência

como pêndulo dessincopado:

a vida, o poema, a verdade sem rumo.

 

Aturde-me o que não existo

o ser comprometido com tão vão objeto

vida comprimida em operações ímpias

sede dissolvida em sal e pedra

tempo mastigando instantes amaros

infinito denunciado

como assassino eterno

o véu descorado do coração

arabescos de lábio partidos

gestos cegos, dias mórbidos

cosmovisões agonizando

como uma romã ulcerada.

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Murilo Gun

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