Viso ao desassossego extremo, rondo
o precipício da alma, invento auras e dores
testemunho súplicas e reflexos cegos, não
me doma exaustão ou sinceridades, não
me convenço do direto ou da mentira
não falo do mar nem de doces infantis
todo verão é severo, secreto e fatal
o sol é uma ilusão dos olhos como o frio
é uma ilusão da pele, o reino do homem
na terra está interditado, o do céu faliu.
Resta um gesto? Não sobraram gestos.
Espero que algum animal defina poeta. E estou
salvo afinal o inferno fica no oeste.
O tempo cura, a hora envenena. A faina
de saber o passado desistiu. Ser
selvagem é a dissolução.
Sonho com âmbito rômbico sempre.
Eu me rebelia de maneira inofensiva e heroica
que era do que dispunha.
Servir-me de palavras inusadas é a sina poética.
Fiquei perito em coisas da inexistência cotidiana.
As pessoas pensam que existem (mesmo sem ter
ao menos conhecido Berkeley) e alisam suavemente
ou não o banal cotidiano
algumas assemelham a animais de pelúcias
outras a ovelhas descabeladas ou abelhas descalças:
é que têm a alma tosquiada.
A náusea branca dos desejos a persegue, cara
leitora torta (com chantilly e tudo), por
ruas vãs em busca de ti mesma em cada sombra
vesga vás de pântano em pântano, buscas tua
preciosa náusea. E não te envergonhas ou
interrogas? É que não és, nem nada és. Tola
ridícula madame de papel jornal. Ao
ralo de certo esgoto iremos. Às sarjetas de nós
mesmos. Inutilmente. Volver à pele não vale.
A alma fechou para almoço. E foi beber no inferno.
Recordo só de teu olhos alongados como pera. E da
candura vermelha dos lábios. Sei que escolheste uma tarde para morrer.
E que buscas na vida um amigo qualquer.
São breves os dias e nada rigorosas as noites a onde ires.
O silêncio de basalto é pouco para ti
embora macio. E morrer já não adianta, amiga.
Te quis um dia como a um anjo ou a uma concha ferida.
A um ossuário branco quis como a ti. Um dia te perdi.
Eras um anjo devastado, eras um barco
desaquietado como um charco.
Se já não te quero, culpo Neruda
porque tudo foi naufrágio.
De todos os meses que perdi, este foi o primeiro
em que mais não te vi.
É que ergui bandeiras de pão e sede de porvir
no atanor moderno do alquimista quântico que sou.
Peço a teus olhos uma palavra, um aceno molhado de tua boca
mesmo sem a cor de cobra macia da língua lasciva.
Peço que fujamos da claridade rude e descorada
e da cicatriz que deixamos um no outro.
E que não mais nos imaginemos eternos.
De teu olhar ficou o passado. Ou a verdade.
Apenas foste, não és. Ou...
Impecavelmente como sempre me traias
com aquele teu extensos olhar sem ventre
ouvia tua história arrebatadoramente lúbrica
de tuas lascivas e precisas fantasias
e me perguntava não sei mais
o quê? Então, me rias... e te perdoava.
Afinal, eras a única. Que me fez sentir assim. Ou
assado, talvez. Como não há primavera no país
como te fazer compreender o amor?
Se não sucumbo a teu consolo, o que sou?
O esquecimento só há entre mortos. E estás viva. E viçosa.
Uma vida fraudulenta, uma dose inexata, uma dor
sem desate, uma rua atravessada no ermo
piedade de tigre, ferimento de vala. Em todos
esses lugares te busco, infeliz. Te busco no som
do mar, na areia do céu, no oco da vida. O
teu rastro é minha sina. A escatologia
do amor aprendi por ti. Fui ao
futuro procurar-te em vão. Estive na memória do outro.
Na mais oculta cinza, nos cabelos
do fauno, nos pós do passado. Tudo. E nada
E tive o afago do triangular olho onde estava o
abismo (azul), lá aprendi um modo de querer
que não me compreende, um modo de ser nada
ou ausente ou apenas a fecunda ação do lixo
e da ruína ou a plena defecção só.
Grito por teu olhar. Vejo-me nelas longos e longes.
Sou a miséria, és a fartura e o mistério
e a candura não sou o mais imprestável sujeito de dor.
Não há para mim momentos ou transigências exatas.
Plural sou. Ou nihilidade, apenas. E isso é ser, será?
É uma história sem tempo a nossa (?)
(Eis a osteoporose do amor, amor sem osso).
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