SOBRE A PRAÇA ONDE MINHA INFÂNCIA ADORMECEU
A chusmas de pássaros oferecer
meu peito casto e ilusão valente
além do milho de minha fantasia.
Água febril de meu delírio
e o inteiro sal de meu silêncio
a velhos traumas doar-me (antes de morrer).
(Se com amor a vida é erma, então...).
Se me perguntarem amanhã
por ofícios matinais e idas primícias
darei meu nome como resposta.
Se me perguntarem talvez
pelas arruaças do rico
e da desvairada cobiça que o devora
não referirei camelos e agulhas, talvez.
E se por que siga sem cessar
os caminhos maltrapilhos das metrópoles
a distribuir intrigas e amoedar usuras
direi que apenas conheço minha floresta.
(Ou meus azuis pentelhos).
Ou a esquina de minha aldeia tão modesta
ou a praça onde adormeceu minha infância.
E que pasço os dias a ouvir ovelhas
velhos balidos que não voltam mais
ainda ouço relatos de arroios lentos
o jorro da impúber água do batismo
cochilo das sementes tomando sal
rumor azul de messes adormecidas
impaciente fluir de fonte arruinada
a meus pés quase sepultos
chinelas de Pedro Seleiro.
E das ribeiras do meu outubro
o naipe dos meses desesperados
gaiolas loucas de desejo
zodíacos entristecidos
além de calendários engalanados
de tristes datas.
Tudo em regozijo
ao debacle da utopia.
Mas à noite ouvirei novamente talvez
lua rural tocando cítara.
Com dedos de carícia e fervores azuis.
Tocarei a sombra em que te transformaste
o nome que foste, a Eneida fugida
apalparei minha dor enorme
(maior que o amor, talvez)
e me farei antigo como um ditirambo.
O louro que me reste
a coroa de um arroz
o alimento que a alma vomita
o tempero intemporão
tudo o que o tempo exaura
rasgue, jogue fora, despedace
sou eu.
E fundarei ainda safras podres
com que cevei ilusões
incoerentes repúblicas do porvir
reinados sem ventre, impérios nus.
E me fundirei à cidade que me verteu.
Findarei o poema convulso dizendo
a felicidade consistia em
ver pastar utópicos bovinos
(tourino do futuro vir a me lamber)
em sentir a leveza viva do voo da borboleta (que eu matava)
sonhar com a libélula prometida
enfim olhar o arrodear
dos cálices lentos e rubros das flores
por abelhas dedicadas a levar
ao enxame de Deus o botim do néctar.
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