E se pesado poema leve quem o leia
ao abismo do sentido e o enleie
num labirinto de orvalho cego
e deforme sua visão de mundo
inundando-a de íntimos infernos velozes
procrastinando sua nudez na vida
conduzido a caminhos suicidas impetuosamente
a círculos onde se demorem hospícios
a ciosidades concebíveis e tédios insolentes?
A ópera do verbo destoa do instante
e desatina porque o tom se oculte
e a providencia deserta
e o instantâneo desata
porque o desdém toma a palavra.
E o avesso se renova.
Pois o fio do tempo é insolente e trêmulo
é tal qual caminho de navalha
lâmina inescapável e desencapada
que desliza ao desencampado sutil do ser
ao inevitável encontro de si com o outro
que não se soube quem seja.
O que queira dizer o poeta só importa a ele
não tem valor ou desvalor: é neutro
e remediável. O que que não quis dizer é o poema.
A explicação lógica do poema é fábula .
Ou fábrica de versos quando o poema
é inverso e adverbial ou estratosférico.
Poetas que rejeitem explicar ou dizer
bem sabem da poesia o tormento
a verdade da inadequação do mundo a ele.
Poetas que se sujeitem a explicações
são como batatas batendo
uma contra outra no mesmo saco furado.
Signo é para seguir.
A rebelião da palavra cabe no poema.
O verso rebelde é incomum
e necessário.
Pois o poema erode o comum
e ofende à comunidade.
A lógica da poesia não é justa.
Entre o dito e o indizível há o poema.
Entre vidência e certeza não há diferença.
Poema, vá do insignificante banal
à plena transcendência plural.
Todo verso é único e é primo.
Daí, o evidente Rimbaud:
chegar ao poema é ser vidente
ir ao desconhecido através
da desordem de todos os sentidos. (Do poema).
Então, entre a metáfora e o delírio
não há escolha.
As coisas é o caos, e o mundo
é das coisas caóticas construído.
A batalha é desordenar a língua
e subverter a gramatica
retirar o hímen anacrônico da sintaxe.
Coisas bem comportadas e ordenadas
são domínio pleno da prosa.
A navalha do tempo é insensível
e seu fio cego como uma guerra.
Copos escuros sobre a mesa de um pub
em São Paulo me advertiram
e passei a temer a claridade.
Daí, passei a sentir todos
os poros do meu espírito.
E ouví-los emudecidos.
O cadeado do signo prende o significado.
Não há corpo que detenha a alma.
Do poeta ou carne que o supure.
Poetas vão além dos prazos
e limites do futuro, por definição
e natureza de sua arte milenar.
Ontem, eu fui... mas hoje sou.
Abro portas para o sal e o suor
para a dor e o pássaro
para alguém qualquer ou não.
Todo o urânio do céu é de Deus
e desde Deus sou poeta
minero o verbo com lavor
rebelde e iconoclasta.
Não é possível respirar
entre as palavras do poema.
Seria igual a trancafiar o sopro
do verbo e aprisionar o muro.
É tal o grito infernal
dos seres do primeiro círculo
de Dante preso na garganta
do silêncio culpado.
E Infausto o poema para sê-lo.
Só a voz dantesca atravessou
as dores do mundo e...
embora questionando os espíritos
estabeleceu a razão do poema e as lides da carne.
Poema é desatino insurreto
caminho da verdade da vida.
Nada do que seja literal é humano.
Nunca quem se arrogue
à suspeita virtude de dizer será poeta.
Linguagem arrogante – e lógica
que explica tudo racionalizando o mundo
é antipoética por excelência
é prosaica por natureza.
Então, para conviver com poema
aceite que o amor é um labirinto.
Habite esse labirinto, me leia. STOP
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