A poesia lida com verbos corporais
seres de palavras aladas atando os poemas
à página, terçam com o imaginário do mundo
lançam-se em razias irrepetíveis ou vazias
da realidade da carne para a margem
onde vida pulsa, veia escura acossa
para longe da sombra, vã e vital
a poesia lida com o vivo
(que a palavra hasteia como hino animal).
Veio que incêndio contorce e
espessa a palavra, chama farmacêutica
bem de consumo do espírito
signo do objeto
objetivação subjetiva, entranha do verbo
que vela alma da página
clama pela inocência do texto
(e o clamor escuro se espalha
pelo espelho sujo do mundo).
No livro, tomo, compêndio, resumo, íntima ata
muralha sem nome, pedra sem alicerce
verbo como pausa de cordilheira (silêncio ósseo)
ouve-se o longe, crava
coração do lodo vivo (da tinta)
da vida que a palavra desenovela e lauda
se faz sopro e grito, chama finita.
A poesia, fio de água, icônico jorro
do útero da pedra, ovo escatológico, chave
ladeira oeste, grão inclinado, auge
se realiza na palavra (ventre da terra)
e o destino do sentido entrega à parca
que o verbo traz no rosto escrito.
Cofiando o profundo barro do poema
debruçado de azul abismo e longevo
verbo, vocábulo de água maculada
terra de vogais incendiadas
sílabas de que se locupleta do gume do sentido
a ver dentro do pássaro luso
a sentir seiva entrando no fruto
do parto da página se fazendo hino e veludo.
Hermético encanto ecoa na lápide virtual
que coroa a claridade (do túmulo da noite)
o secreto que a palavra comporta, fardo
que Hermes carrega para o corpo do verbo
(com o ombro arcano quase tombado
ventre enigmático da palavra aberto
veio do sentido dependurado
da valise de Cronos, a veia do escuro estagnado).
Eu te interrogo, sal dos caminhos
rio Neruda a los lejos (lá longe)
o canto alto a paixão do verbo vivo
o ônfalos da palavra terra
morada do espírito, ser da poesia.
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