Jefferson Evanio
Transmutar os Valores e elevar a Potência de agir
Dois termos e um problema incitam a reflexão sobre esta espécie de “encantamento’’ e/ou elevação poética do pensamento do Devir. Talvez esta seja uma forma de revelação do Sein hiddegeriano, ocultado a séculos pelas “nuvens escuras’’ de nossa “natureza agressiva’’ ( Freud ), nosso “animal selvagem’’ ( Nietzsche ) de natureza egoísta ( Kant). Romper com o pensamento de um campo de experiência fundado no Idealismo platônico –aristotélico, cristalizado pela Cristandade e seus pensadores ( o grande nome aqui é Tomás de Aquino, este por sua vez, uma espécie de transfigurador da filosofia em arte escolástica, que a legitima, que a oferece o suporte teórico que a teologia necessita para ter cor ), de fato é um desafio, desafio aliás já aceito por pensadores de “agora’’ – o quanto o pensamento de Heráclito, Nietzsche, Spinoza, Shopenhauer, parece fundar toda esta transmutação da linguagem.
A transmutação de valores, tema relevante na filosofia a golpes de martelo de Nietzsche, indica um meio ( forma ), único caminho possível de vencer o que denomina de “advento do niilismo’’. Este nihil que percorre todas as células do exato oposto do Super-homemn nietzschiano, afundou em águas gélidas as possibilidades de Aurora, criou entre as temporalidades uma espécie de “mortificação do devir’’, sacralizou um recorte imoral do passado, fundando no Ser e em seu presente as profundas rupturas com a criatividade humana.
Para tal efeito, recordando o grande Spinoza resta-nos tão somente saber como? Spinoza responde decifrando aquilo que move nossas ações, o que chama de “potência de agir’’. O pensamento imbricado na ação, a energia que nos torna estrelas, brilhamos agora, vivos, não depois. A vida em Spinoza é local de inscrição da reflexão do espírito humano, e manifestação de sua energia vital através dos movimentos do corpo. Então somos livres! E a angústia definida por Jean Paul Sartre nos acompanhará sempre. E isso é uma dádiva e não um problema! Espíritos livres e angustiantes, negadores da poética passada – e sacralizadora do outrora -, buscam romper com o que Halévy definiu tão bem com duas expressões: “tijolos elementares imutáveis’’ que são defendidos até a morte pela “ necessidade psicótica pela rigidez’’. Necessidade que teme o indecifrável, que alimenta a forma do pensar cartesiano e nega toda a ruptura. Pois bem, sendo a transmutação e a potência de agir os fundamentos últimos já apontados por Nietzsche e Spinoza para uma reconfiguração do pensar o homem e sua experiência “trágica’’ – ou seríamos capazes de discordar de Freud ao apontar as causas do sofrer humano; “ a prepotência da natureza’’, a fragilidade dos corpos e a incapacidade dos códigos que regulam as nossas condutas’’ ? Este terceiro ponto nos interessa bastante. Pois somos culpados pela nossa desgraça. A “poesia’’ assim como a Arte tem sido por muito tempo, como apontou Umberto Eco, um espaço fictício para a fuga da Angst, a arte é assim espaço imaginário onde só lá e em lugar nenhum se encontra uma Verdade e harmonia que o tempo e a realidade objetiva enterrou. Zygmunt Baumam nos convida a refletir ao afirmar que “banidas da realidade, as verdades só podem esperar encontrar sua segunda morada, exilada na morada da arte’’.
Um outro espaço, espécie do não – dito, ambiente fértil na justaposição de ideias conflituosas é a problematização ética decorrente de todo ato que busque a transmutação de valores. Limitar-me-ei de forma breve a falar em ética.
1.1 Um indício de problematização ética: Um espaço do Outro
Transmutar os valores implica à elevação da potência de agir Spinozana. Implica em rasgar o véu da concepção escatológica de tempo/espaço, constitui-se em um novomodus operandi do agir humano, este por sua vez, imbricado no devir. Sendo o termo “ultrafuturismo’’ compreendido aqui como espaço (forma) de desconstrução de uma temporalidade objetal, sentimental, ideológica e cultural dada; imutável, sólida e permanente, resta-me considerar a preocupação ética que advém de projeto realmente consistente.
Pressuponho ser a preocupação ética essa espécie de “sombra psicológica’’, talvez em sua forma mais primitiva sob a supervisão e/ou vigilância do “Super –eu’’ freudiano, o elemento fundamental a toda transfiguração da relação entre Ser e Tempo. Aqui nossa reflexão tem um alvo que ultrapassa a primeira pessoa, o Outro. O universo do outro – não sua relação com o tempo -, mas, contudo o conteúdo ideativo de sua condição humana. Até onde nos é permitido compreender o “ultrafuturismo’’ aplicado na conceituação de uma “Poesia Absoluta’’, entendemos o fundamento de sua solidez, sobretudo, quando se propõe a indagar uma poesia que da mesma forma consideramos fria, presa em seus sentidos cristalizados pelo poder de uma outrora vigiada. Não obstante, a ética, compreendida em nosso tempo ( e essa nada tem haver com seu “mito fundador’’ isto é, o pensamento grego, onde a ética encontrou na pessoa de Aristóteles sua mais perfeita tentativa em aliar o comportamento ao Cosmo ) , como uma inteligência compartilhada em busca da harmonia entre os homens, não pode desprender-se do “ultrafuturismo’’, quando este por sua vez, é transportado para a construção da realidade objetiva.
Se esta forma de arte intervém no plano da concretude humana, seja na relação entre Ser e Tempo, ou na forma como eles devem ser compreendidos, o universo do Outro é local de inscrição de certas categorias que nem o devir pode solapar. Universalizar a ruptura com certos objetos frios, por meio de um “ultra-sentido’’ da Arte, pressupõe lembrar ao Outro a preocupação da primeira com a liberdade do segundo.
Marc Halévy propõe esta reconfiguração da linguagem linear, hierarquizada, unívoca e presa a um passado/presente. Segundo este nossa forma de representar o mundo deve ser “completada e superada por novas metalinguagens poéticas, metáforas e simbólicas’’. Neste espaço a ética representada pelo universo do Outro reclama o respeito à vida de estruturas cansadas em ter a “alma de suas culturas’’ invadida pelo espectro de nossos desejos. Aqui a preocupação em si é a vida, a liberdade que a poesia mais intelectiva (ultrafuturista), deve conceber a si mesma e ao espaço do não-dito, no plano da concretude, isto é, quando esta ultrapassa os espaços da “poesia imagética’’ e se propõe a problematizar a complexidade do real. “Vamos ao fundo do desconhecido para encontrar o novo’’ como escrevia Baudelaire. Afinal como afirmou Nietzsche “o que importa é a eterna vivacidade’’.
Talvez seja a ética o fundamento último do agir “ultrafuturista’’. Na poesia útil à vida, e à realidade objetiva, o que se propõem a ser o seu elemento mais viscoso e necessário.
[1] Esta exposição é fruto de dois comentários expostos no site (http://professordeliteratura.blogspot.com.br/) do ilustre professor Admmauro Gommes. A respeito do ultrafuturismo, e da “poesia absoluta’’ de Vital Corrêa de Araújo. Considerei importante expor aqui em meu espaço sem nenhuma preocupação acadêmica ou cartesiana o fruto do diálogo, como forma de convidar os leitores de meu blog a conhecer a obra de Vital Correia – o que o autor também está fazendo de forma inicial -, e da mesma maneira o vasta obra de Admmauro .Gommes.