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Sáb, Jun

Ensaios
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do livro em elaboração final: Morte dos poetas.

Novalis, o gênio lírico romântico, era votado à poesia e à morte, como bom romântico, tipo Byron, Castro Alves, o além umbral era algo familiar a ele.

Novalis mantinha íntima e contínua comunicação, via canal peculiar que une o mundo dos vivos e dos mortos, não pelo elo do espírito, mas pela veia da poesia. Algo infundia nele o convencimento (ou mesmo a certeza) de que a morte não era algo tão ruim e definitivo. A morte não era outra coisa que uma mera mudança de estado, não de natureza. A morte de Sofia von Kühn, sua bela noiva, aos 15 anos (e virgem), como a de Beatriz Dante e a de Maria Neomísia, bisavó de Cláudio Gaspar e Murilo Dantas, aos 15 anos, a perda de Sofia, para Novalis, significou uma ponte estendida à morte, porque ele não esquecia – e visitava, no cemitério, Sofia, a virgem bela.

Novalis  era, ainda, em vida, um morto que iria atravessar até o fim a noite escura, no momento que mais precisasse... e esse trânsito era parte de sua vida... e sua continuação. A sequência à morte era-lhe predestina. Ia em frente Novalis (como o foi) até a morte, o lugar luminoso de que falava Goethe.

E Novalis alcançou esse sítio sem átimo, esse reino do intemporal, onde passado (venturoso com Sofia), presente (de dor) e futuro de luz se confundem e se anulam, inaugurando algo sem nome definido (mas que ele já sentia).

Esse profeta do evangelho noturno da ressurreição do ser num eldorado da alma, do amanhecer harmônico e sublime pós-vida, se movia nos vários planos do tempo. Como se existisse desde tempos imemoriais e se debruçasses sobre todo o porvir sempre.

E o poema Hinos à noite era tal como se Novalis buscasse as palavras numa profundeza inédita do espírito, ressurrectas das ruínas do passado intacto.

Para os amigos, Novalis fora só uma sombra, que vivia fora do tempo banal, imerso no trânsito lírico profundo. Como transitava num ambiente entre vida e morte, era difícil aos amigos assistí-lo. Novalis morreu, por acaso, nos braços de Friedrich Schlegel, outro grande escritor alemão romântico.

“Deus, meu, dai a cada um sua própria morte”, dizia, rogava, num poema. Rainer Maria Rilke, outro lírico alemão insuperável. E a morte jovem de Novalis – o poeta do absoluto – foi a que ele esperava, mesmo a que ele havia desejado.

Novalis estava já em companhia dos seus. Sofia, morta aos quinze raptada de seus braços. O irmão Bernhard, afogou-se, aos 14. E outra amiga, Augusta Bohmer, desaparecida muito jovem.

O mais estranho é que a proximidade da morte Novalis agarrou, dela, dessa estranha e triste presença se apoderou, e nele um resplandecente surto de inspiração poética o surtou, algo que cubificou seu gênio lírico, em escala hiper. E ele afirmou: agora mesmo, acabo de compreender a vida (há horas de morrer). E saber o que é a poesia. Ela é incomensurável, infinita, quase inconcebível, mas eu a concebo, agora. Sinto em mim pulsar a demiurgia do poético, a níveis inconcebíveis. Toco em cantos jamais ditos, escritos, ouvidos. O que as palavras ainda não disseram, eu sei. Sei-o, em mim claramente, à beira do escuro absoluto. Anotei (eu, VCA), quando estive, na Alemanha, em 2001, coisas que Novalis dissera, e que não encontrei em português. São palavras que arrepiam, face a seu lirismo extremo, dignas de um gênio, desaparecido precocemente como Castro Alves...

A mesma – e romântica doença – a tísica, matou-os. Insone, esgotado, sujeito a bravas hemoptises, sufocando pelo sangue vomitado, Novalis agonizava e se rebelava pela poesia. Segundo, minhas anotações suspeitas, porque eu o amava... e choro por ele ainda, como agora, Novalis, nas últimas horas se animava de supetão... e se munia de papel e tinta, movido à mancha do poema. A 19 de março de  ..........., celebrou o aniversário da morte da musa diva Sofia. Às seis da manhã do dia 25 de março, regou a sua irmã por alguns livros, depois pediu o desjejum, a unção do último alimento – pão – e, até às nove, extravasou animação com amigos, ao som do piano de seu irmão. Novalis assistiu ao balé das estrelas da manhã no salão das esferas do céu (noturno da morte), conforme seu amigo Platão. Porém, era uma forte e bela música interior – e última, que Novalis ouviu... era o eco do cântico esférico e sublime dos astros, a presença do infinito a se esparzir em tons imortais, em seu quarto.

Novalis morreu entre melodias terrestres, por entre a imensidade das constelações invisíveis da manhã de sua morte sublime. Adormeceu entre melodias etéreas, entre esféricas músicas líricas terrestres. Ondas cúbicas e infinitas de músicas adornaram seu último e definitivo sono, o insone encontrou o tom de seu último suspiro extremo, e assim entregou-se aos braços da eternidade – que jaz entre a vida e a morte dos líricos profundos por isso, eu o choro.

E o mysterium tremendum acolheu o poeta etéreo. Quem disse (as palavras que vivem na alma de VCA):

Choro por Novalis, o discípulo do sal, choro por Holderlin, o mor-lírico, choro por mim.

Notas: Sofia, a noiva virgem, morreu a 19 de março de 1757. E após a morte da musa, Novalis se dedicou a engastar poemas à constelação humana de seu céu noturno, pois ele sobrenaturalizou, ao desenlace, sua paixão terrestre. E ele que havia se dedicado à paixão de viver com ardor, geólogo etéreo que era, material primo, se consagrou só à morte, com o mesmo ardor, como viveu. A morte de Sofia o fez dedicar-se somente à morte, seu único e anelado destino poético. Foi Sofia defunta o seu batismo da morte. E a lágrimas mais longas que a morte, ele dedicou a vida seca. Mais longas e sáfaras que a noite, mais claras que seus hinos, Novalis debruçou seus olhos vivos a esse destino inerte. Por isso eu choro até agora. Quando Sofia se foi, Novalis ficou só, com a morte, e se encerrou em si por três dias, três cruzes, a chorar sem cessar.

Até agora, aceitam-se suicídios, pela dor ingente que ele sofreu. A sobrenaturalização do sofrimento de Novalis não será nunca em vão. É algo mais profundo que qualquer espiritualização advinha desse batismo fúnebre da dor de um amante, que deu à vida de Novalis o impulso lírico, que o levou aos Hinos da Noite, texto que precisa ser degustado sem limites mórbidos. “À duração das horas de dor amara, não me acostume à visão da tumba, porque recordo os famosos dias com ela. Novalis não é um ser terrestre que chora a  morte da musa formosa e única, mas o que aspira ao noivado pós-túmulo, ao noviciado da morte, e teve afinal o gozo dessa boda.

Estou ficando louco, ele se dizia, e litanias líricas (e fúnebres) nele explodiam, de seu sombrio lirismo disparavam-se poemas quase impossíveis ao humano ser. A pétala esvaneceu aos ares do mundo, ao encômio de pássaro... à banalidade vulgar, do dia a dia, à vulgaridade do cotidiano. Não fazem eco ao que sinto, tão imensamente. Assim, sua alma perdeu o impulso terreno. A mansão do ser amante foi ferida. Vivi para Sofia (como Manuel Florentino dizia, vivi para Sinhazinha), vou morrer para ela, disse Novalis. E assim o fez.

O poema Hinos da noite são rememorações dos dias de e com Sofia. São diários líricos da Dor.

Novalis, no terceiro hino, flagra os ruídos da água da morte, em que submergiu Sofia. (Extraio das notas esparsas da leitura, texto que não sei se são meus ou não mais).

Dos úberes vertiginosos da morte

Novalis bebe (a seiva dos mamilos de

Sofia), ele suga vertiginosa luz

noturna, que o aclara, ilumina a dor

recôndita (do aedo extremo), que o

desejo da carne morta aviva.

 

O entusiasmo, como dizia Rilke

é noturno. E da fúnebre seiva bebeu

Novalis os mais líricos poemas de

sofrimento humano possível.

 

A data precisa, em que morreu o

poeta, eu omito, para não encarar. Adeus

Novalis! Que tinha a vocação da

eternidade.  Impressa em seus poemas,

que são ele.

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Murilo Gun

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