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Ter, Abr

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Creio que a poesia é o melhor meio de você confessar-se a si mesmo perante os outros.

Diferente da prosa (que de modo geral reflete o mundo prosaicos, banal ordinário, diuturno), a poesia revela a essência do poeta (isto é do homem) sem que ele saiba. Quando o poema é menor, marcado, revelando obviedades ordinárias e sentimentos (falsificados) à flor da pele (não da alma), não acontece nada.

 

No meu caso, a devoção à palavra é total, o fascínio verbal, trabalho com o barro do verbo é vital. Toda sílaba me incita como uma mulher inteira, intensa (interior ou não).

Considero a poesia (que chamo de neoposmoderna) em desacata à realidade. Porque ela despreza os dados óbvios – a essência aparente, e imerge no sal do real.

Como um deus o poeta é criador de realidades. Porém, de realidades interiores.

Através da palavra, sigo a linha férrea da verdade, morro, mas não creio na aparência. Nem na palavra dada, só acredito na palavra construída.

No poema, ingresso num itinerário verbal, intemporal, complexo, intrigante. E prospecto, os cavo, busco todas as possibilidades da palavra, desalojando o amontado de obviedades acumuladas aos longo da estrada tradição (traição) “poética”.

O poeta luta constantemente para não enleia-se nas malhas da alienação, teias férreas e bem estabelecidas que o amarram a rimas, que o conduzem a trenas, menos à poesia. São os poetas objetos vítimas do estabelecimento poético fincada lá atrás, cujas base foram lançadas há mais de cem anos e vimos patinhando nelas desde então. Quando vejo cuidado do poema conter a rua certinho, especialmente em dísticos, me enojo e sinto em mim a missão de conter a rima.

As palavras já vem mascaradas de velhos e preconceituosos conteúdos que precisam cada vez mais afirmar-se, consolidando-os. O tal do significado (alienado e alienante do leito) é definitivo.

As palavras medidas, contadas, arrumadas em rima escondem, sonegam, burla a realidade de si mesmas, constroem aparências, estabelecem uma prévia concepção (rimada) do mundo, mundo que é medido minunciosamente sílaba a sílaba. Ou melhor, não o mundo, mas que dele pensamos ser. Se estou nervoso, cansado, meio que desiludido com o balanço contábil da empresa, sento e faço um poema. Ou leio Bilac. Não, Augusto, porque ele é muito pessimista etc.

Ao dobrar uma linha do poema, eu, VCA, encaro algo novo, estranho, nada familiar e me entranho nessa dobra em busco do que as palavras ainda não disseram. Não perdoa, não aquiesço com a realidade impingida, não condescendo com poeta meticulosamente métricos, viciados em doses altas de rimas raras... e felizes não leruma isso, porque ninguém o publicará. É ofensivo etc.

Algumas, vezes, me visto à Diógenes com lanterna do olhar em riste procuro sócio a fio (e enfado), nas prateleiras cheias de livrarias grandes (em São Paulo,        , a convite de Gun) e não acha um único poeta. É triste, mas é real.

Impressiona a uniformidade de visão e prescrição (versificatória), tipo “se não tem rima não poesia” ou “isso é verso de pé quebrado, não presta”. Nada é diferente. Nada deformado. Tudo é certinho conforme as regras rígidas e definitivas da versificação. Ver Magalhães Passos e Bilac.

Esses próceres deram a receita, o manual do bom poeta, as instruções para montagem do poema... e ninguém tem coragem (de criar, ver Rollo May) de infligir. A desobediência poética é mortal.

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Murilo Gun

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