Têm sido extremamente válidas e sobremaneira significativas para mim as contribuições teóricas e as visões práticas expendidas, acerca do que seja ou possa ser poesia absoluta (no sentido de não ser relativa ao passado, com a marca vencida), dos professores da FAMASUL – Palmares: Admmauro Gommes, Sylvia Beltrão, João Constantino, Márcia Maria, Marcondes Torres Calazans, Ricardo Guerra e Romilda Andrade, entre outros, que se estão debruçando sobre essa avançada “modalidade de rima”, concorde com o tempo atual (o século XXI).
A obra (de arte) poética deve refletir expressamente a experiência do tempo, revestir-se ou dar forma a um estilo da época em devir (em substância e não en passant). Estilo epocal (atual), que, por sua vez, reflita o mundo da atualidade a que pertença o ser. Ir ao devir e não viver do já ido. Pensar (e não passar) o tempo, não ser só passado pelo tempo. Viver e “fazer” a arte da palavra, in casu, que contenha e contemple esse tempo (hoje, agora) e vise ultrapassá-lo... e nunca regressá-lo.
Daí, a poesia – que reflita o ser em devir – repudiar o estado mero de vivências pessoais (como pregava Dilthey, em Poesia e vida) e expressar a intuição do sendo e do será objetivamente (não o eu empírico mas a metamorfose do mundo). O imaginário devir, não o imaginário devém.
Toda obra de arte consequente (de Rilke a Picasso, de Murilo Mendes a Kandinski, de CDA a Matisse) deve ser capaz de poder vencer o tempo, ultrapassá-lo, e nunca se limitar a comtemplar o umbigo do que passou. Isto é, despojar-se das meras e impassíveis realidades cotidianas para transcender as substancialidades fixas.
Ao poeta absoluto (esse tipo de deus da nova palavra) cabe o milagre da transubstancialização (mais do que mera transubstancialidade) da palavra em ato de ação poética, que modifique ou contribua para transformar a realidade exterior, a partir da publicação do íntimo (do tempo).
É essa ação espiritual a causa da poesia (nas duas acepções do termo causa: bandeira e razão. O ato poético (não relativo) absoluto, isto é, quando autêntico e transfigurador, cria o seu próprio corpo (forma), ativa o porvir e não é passivo dos débitos do passado que se arraste (soneticalmente ultrapassado). Não vive o poema absoluto do “ultrapassado”, porém se alimenta do ultrafuturo. É o poema (a forma) talhado à medida do homem de hoje. E não o homem já passado (ou estragado) de tempo vencido.
A poesia elementar (passada) representa, descreve, denota algo, enquanto que o canto absoluto transfigura tal representação, tal mimética.
Ao impor transfiguração ao ser das coisas (do homem, dos objetos, da sociedade), a poesia absoluta adquire, ativa-se, reverte-se de significado espiritual (e não de mero sentido passivo), manifestando a substância desse ser em ação (no ato poético absoluto).
A coisa a que dê forma (quaisquer que sejam a coisa e a forma, nunca forma fixa – e deletéria) deve significar, ou melhor, ser significativa de algo diferente (e não o mesmo – de sempre, do passado), sendo ao mesmo tempo e simultaneamente sinal e coisa. É a impregnação de um sentido além que conceda expressividade (algo mais do que o sentido contenha ou abarque).
Eis o famigerado sentido do poema absoluto. Um sentido nunca imóvel, fixo, definitivo, vencido. Mas sentido em devir. Devendo, não devido (ou nos devidos termos burocráticos do poema relativo ao passado que vive vegetativamente até hoje). Não sentido dado, porém sempre construído, em conjunto, pelo poeta e seu leitor. Nunca um sentido dado de todo, portanto, mas um além-sentido. Que transporte em si – esse ultrassentido – a experiência viva, vital do tempo e assim universalize e atualize o espírito humano em transporte espaciotemporal. Só via Poesia Absoluta (nova forma nova) é possível manifestar-se a substância da época (revolucionária tecnologicamente) que vivemos.
Maritain
Jacques Maritain (e Raíssa), em Situação da poesia, dizia certeiramente que a arte deve estar sempre apontada para o eterno e não datada.
Em época de tantos sucessos, a poesia não pode ponderar o passado e tratar do que sucedeu, mas ultrapassar o futuro, pela veia do imaginário (ou via da “imaginaria”), e dizer, conotar, expressar o que sucederá (o que virá do por vir vindo).
Poesia que não só fulgure o ser real, como também o possível de sê-lo.
Resumo: Si le monde etait claire, l’art ne serais pas. (Albert Camus).