Na leveza do sonho embarco movido da arte cristã da poesia, e dos cais da partida sinto a mão de Rachel empunhando metáforas,
a nau das palavras singrando o mar de imagens e a quilha abrindo deslumbramentos, o vento da emoção esbatendo-me o rosto leitor. É o primeiro da poetisa Rachel Carrilho, mais uma entre dezenas de revelações do projeto Quarta-às-Quatro, já em 155ª edição, que começa uma carreira primorosa como escritora e defensora do espaço literário pernambucano.
Os conceitos de poesia são muitos e se aperfeiçoam ao longo da história da evolução da palavra, área em que a filosofia é o esteio, e, a sensibilidade estética de cada época, alicerce.
É preciso sentir que a poesia – arte da palavra – não é só meio de fruição ou de conhecimento, mas que se nos oferece ao espírito como objeto de interrogação, móvel de indagação do mundo e cogitação do ser, ou seja, campo da perplexidade. A propósito, a poesia é uma usina de paradoxos e o poeta, um dínamo de imagens.
A poesia representa a irrupção misteriosa de uma irrecusável e insidiosa presença, algo que incita e substantiva a alma, comparável a um parto. A poesia é de natureza maiêutica e o poeta é a mãe da palavra.
No caso de Rachel Carrilho, lemos seus poemas numa atitude de adesão à beleza (pelo tema e forma com que os conubia) e de contemplação desarmada. Em Rachel, intuímos que cada abismo se mede pela altura e não pelo medo ou pela náusea.
A poesia é um em si, independentemente do que diga. A beleza estética está na forma da mensagem, não na mensagem em si, que é indiferente ao conteúdo de valor artístico do poema.
Flagra-se na poética de Rachel um tônus psicanalítico, além do viés psicológico que decorre de sua inserção no meio humano, com a carga de sensibilidade que ela carrega e sua poesia denota.
A sombra do poeta é evidente para os outros, mas desconhecida para nós mesmos. No caso, Rachel projeta inconscientemente sua sombra na poesia. O poema é um espelho que reflete (e/ou retrata) sombras iluminando-as de modo a reduzir a zona cinza da vida e ostentar o que há além da aparência, região que só a poesia penetra desvela, avulta.
Além de poetizar a vida, a família, os amigos, Rachel é sobretudo uma poetisa do amor, tema sobre o qual Jung disse: “Onde o amor impera, não há vontade de poder, e, onde o poder predomina, o amor está ausente. Um é a sombra do outro.”
Pascal só reconhecia o amor onde ele não se prendia a nenhum caráter distintivo, lá onde o amor é sem razões. Se gosto do poema pelo que ele diz, não é por ele, mas por razões externas distintas.
A sombra do leitor está presente no poema desde que ele se esboça na solidão do quarto além sua publicação e lançamento no burburinho da praça.
Em síntese, cada poema é um enigma, muitos trazendo uma total carga de luminosidade que deslumbra, mas cega, e somente a leitura desarmada, sem preconceito, nem empatia automática com o leitor, possibilita sua desvelação e o descobrimento desse artefato de palavras de um só rosto e mil faces, que é o poema.
A louca obra de um louco, assim epitomizaram WORK IN PROGRESS, na Irlanda, o que nada afetou – mas motivou Joyce, hoje imortalizado.
Este livro o amor alicerça fundamente. O claustro do coração de Rachel abre-se às matinas do verbo. Enclausura o tédio e a cólera. A poesia de Rachel é um canto altíssimo a Deus, uma oração lírica, devoção em forma de poesia.
Enfim, cada livro concede uma forma de imortalidade pessoal ao autor, e Rachel já é imortal pela beleza, elegância, distinção e simpatia, pelos amigos, irmãos, poetas, tantos que mil mãos não contariam.
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