O poema é uma valsa
de sílabas descalças
condessas caretas
êmbolos de palavras
em ritmo verbal de salsa
pela cola sintática amalgamada
sob graças da gramática
que dança na página da alma?
Palco do poema luada
repouso e abismo cesura
pedra de artifício rima?
Metáfora seu magnificat
poema avança linha a linha
até a náusea.
Com exércitos de tropos
e esquadros compassados
ao bélico das palavras
na página instauram cenário
da batalha contra o sentido
bárbaro (atro prélio contra o poema certo)
atropelando símbolos e múltiplos
até que o detenha
precipício do hemistíquio
laurel e triunfo do espírito
contra avanço prosaico
em todas as fronteiras do mundo
e nos arredores da estrofe.
TEXTO DE ROUXINÓIS
Texto de pássaro e quartzo, mundo
de comovente mármore
árvore de sono e vigília, ramos
de nomes canoros e ouro alelúiuco
céu de tons áureos e pétreos caminhos
rima de cores berrantes, sonorosos ribeiros
trombetas de bocas inconsoláveis
com vômitos de anjos ocupadas
e linfas geométricas serpenteando
entre músicas cristalinas e algas de solfejo
urna de arco-íris, penca de bem-te-vis
alaranjados de cujos canoros esôfagos brotam
flores irredimíveis, contraltos de prata
texto lunar, hiperbóreo, clavicular, ibero
texto de mares alevantados e minuciosos
cores da lepra em profusão doente
nas carnes do meio-dia, timbres tumulares
adentrando lápides
iluminando epitáfios
amanhecendo nas estribeiras cinzentas do riacho
cadavérico de teus olhos inamistosos
cegando a paisagem eufórica do poema
rimas de nuvens dos céus de setembro
nimbos de abelhas, relâmpagos de ferrão e pólem
texto de elos longos, cânticos de cidreira
partituras de sal, celas de candeia, sonatas pétreas
lumes de baunilha, gumes de ameixa
das solenes ameias arqueiros imperecíveis
textos de alies invicto, ambrosias
dos lábios de deuses derramadas
texto de cortesã encastelada em nobres falos
alevantados menires cárneos
odor de donzelas amadeirado de cio
cisternas de gozo iluminado púbis
moçoilas de húmus cativante e vivos e róseos
dos prélios da libido vencedoras amantes
texto de hímens delirantes e hinos viris
sons volumosos do gozo, trompetes de gemidos
lascívia estampada nos acordes inefáveis dos trombones
deliciosos da carne
texto de cadelas cedulares e células de volúpia
soberba multiplicando cores do orgasmo
árabe texto perdido num ás do oásis
de teus olhos tão benditos
beleza deserta porque impossível ornada
por uma coroa de perdizes arenosas
num sábado beduíno escravocrata
texto que desliza ao mover dos punhais
dos seus sorrisos alumiados de gumes
dos cantos movediços de tua boca o infinito
desnudando-se como amêndoa de precipício
desgrudada de teu cio infinito
texto de pântanos e bafios, miasma sombrio
e celestiais sílabas escandidas
dos nomes avulsos de Deus
texto cruel de nômade abril
escrito na água do delírio
que desce do sexo de cascata da mulher
em coito com a eternidade dos ungüentos macios
e óleos voluptuosos que manam de fêmeas fontes
texto estro eslavo e macio
porque lascivo e nunca senil
texto de entulho de prédio, barco
casa, avenida, criança e esperança
movido a tsunami e crocodilo
texto de armas automáticas
da mão de mercenários líbios
gemido desesperança do fundo da alma
humana agonizando como barata
num banho de DDT, texto
ametista brilhando no espírito da safira
texto de rouxinóis de Vertentes
e gaivotas do Atlântico.
Poema escrito no pano verde da sala
de jogos de cartas do navio Bleu de France
navegando no Atlântico, às 3 horas da manhã
da sexta 11 de março de 2011.
RESTOS DO TEXTO DE ROUXINÓIS
(Arranjados em partituras de palavras
no convés do Bleu de France
entre a piscina e as jacúzis
após desjejum do dia 11/03).
Textos preliminares à morte dos círculos azuis
de quilate latino e ouro visionário.
Deles guardo como relíquia líquida.
verso ametista do fundo da alma (marítima)
Texto de milho e híbridas sílabas
de ébrios colibris vírgula rouxinóis
texto de cédulas latinas e cadelas lusíadas
de colinas escurecidas e sibilas recifenses
texto de coivara, trama de insetos viris e aviltantes
testículos de estrelas vespertinas e teatrais
pocilga de pérolas exatas
cálida onda de sono e entulho latino.
texto rosa de efêmera eternidade
sono de rima, necrópole de cipreste
texto da comarca do sonho mota de Mauro
e ventura da carne
texto da nômade água do mar
e espumas venusianas
texto náufrago eclesiástico
texto persa, brâmane, cipango
texto cubano à Lezama
helênico à Seferis
marítimo à Perse
texto vital (e atlântico);
A FRANCISCO BRENNAD
PRÓDOMO
A experiência da poesia é o modo dela infletir-se
sobre nós e abonar a alma exprimindo
suas máculas ardentes e profusas submersas
no tempo cósmico – e cíclico que tramou Borges
horas prenhes da duração do evento ou parto
que nos deu Sócrates e Absalão
Pound, Eliot, Cabral, Murilo e Drummond
ou seja, servos da produção ou parturição
do poema no sentido da maiêutica crítica.
A melhor forma de definir ou conceituar
– expressar – isso (ou aquilo), ou maneira
Intensiva e absoluta de fazê-lo
é por meio ou pela veia aorta da poesia (porta)
– linfa ou fluxo, vaso ou vinho – que é
a linguagem (ou instância desta) impregnada
(dir-se-ia fosse carro de corrida: envenenada)
com carga máxima de voltagem expressiva força polindica
ou curva de maior conotação possível.
Dê a palavra a exata – imprescindível
ração de ambigüidade, indetermine
com (des)propósitos poéticos o sentido
exija suor do leitor a enfrentar intrincado
lodaçal dela (palavra) atolada no poema: e louve-se.
(a si mesmo pela espessura doce de seu canto).
CONCEPÇÃO
Que inóspito hóspede sente-se (e sinta?)
à mesa deposta, mastigue bisquis
acepipes estupendos devore
(mandíbula grata lambendo-se)
louçanias cruas ouça hinos convulsos
carnívoros sais consuma
em pratos de cerâmica felina
e entorne acres (trâmites) de loucura,
cálices fale com o falo da palavra
bordas de apinhadas vertigens sorva
crateras de óleos do cio morda
beba bibelôs, brocados, ornamentos
deguste compêndios esquizofrênicos
copule com manequins semimecânicos
sirva-se de grifos, sinos mônades, gônadas, harpias
clitóris, ciclopes, agaves colha
gatos egípcios do chão rastejante e místico
pássaros vítreos, cânforas nuas manipule
considere estrelas bordadas do céu
quando após banquete adira ao alpendre
macia varanda de pássaros ancorados na tarde
inale relâmpagos, ouça gaivotas, toque
tintas do labirinto, cores do delírio.
ACONSELHO AOS POETAS
Nunca dizer mesmas coisas três vezes
sobre a mesma coisa ou com
mesmíssimas palavras (indispensáveis)
- gastas do uso abusivo, banalizadas
pelo blablablabla irreparável
pelo irreparável repertório da comunidade
dos poetas emocionados (em beleleu cônico, vácuo vocal)
com a beleza literal (não profunda)
do próprio umbigo ou brilho (infundado)
dos olhos ambíguos
nem expor palavra (tão bem cavada)
à insanidade do sentido
obrigatório, presumível
reiteradamente reincidente
mas por o ser em suprema conquista
posição cúbica, bíblica
(a pacificação do ente como meta mórbida, não!)
dar-lhe esteios, objetivos cavos
alicerces ínvios (de uivos) e sonhos vis
das vísceras vãs dos arúspires
extrair vaticínios gentis.