ULISSES
Só as paredes confesso: meu nome é Ninguém.
IR-SE
Vai-se rosto num vórtice supremo
(fica máscara vazia ao relento).
ULISSES
Só as paredes confesso: meu nome é Ninguém.
IR-SE
Vai-se rosto num vórtice supremo
(fica máscara vazia ao relento).
NA RETORTA DO TEMPO
Na textura do sal a pele da palavra
úmido atravessando a alma
(a travessia do sentido, a barca
da metáfora endiabrada, o mar
a César Leal
é preciso que rostos se extingam
e tochas emudeçam
para claridade da fuga
que rios cubram rumos
e rastros ceguem sendas é preciso
para claridade da fuga
(à moda de Anacreonte)
“vinho da palavra, metáfora
sua embriagues, poesia!
Aos vinhos, esta ode-quase-ditirambo,
e à memória das noites brancas
dos anjos roses, dos evoés desvarios
e da unção de nossos lábios
pela dádiva do vinho, esse bem do espírito,
metafísica líquida, odre de alegria
para a alma, tua e minha!
Meu coração é presa do crepúsculo
de Água Preta
de abutre devoto humilde
de suas bordas herméticas
como um precipício rubro escapam
pulsões e chamas de ventríloquo.
Morte tropical é árida. Não sonora
a não ser que búzio ou crótalo a console.
Não brota do coração de cardos.
Emerge de conchas, coivaras, espelhos
vem das fontes noturnas do inóspito
galga penínsulas da alma, trapézios sutis
e os lumes do tempo atravessa
A essa forma de prece e alvorada
a esse continente de sede e sonho
o mais puro brinde ergo
brando o trago mais profundo.
Vital Corrêa de Araújo
Há uma licor de palavras
cheio de lumes e seivas
repleto de olhos de estrelas
num cálice azul dormindo
capitoso e iluminado
poema waldemarino
ELA
Ela trajava quimono célere
bem ajustado na cintura fêmea
o que era estranho (não inerente ao traje)
cor de abacate com florinhas murchas
estampadas do ombro para o lascivo braço
andar húngaro, riso escarlate
pintado de açafrão e baunilha
nos cabelos duas orquídeas
lua na mão esquerda
pendurada pela colméia
abelhas belas nos olhos
ar de rumor na fronte
na pálpebra grito escuro
fêmur de sabiá no seio
corpo clavícula de flor
com primores amarelos a boca
embriagada de lírio e magia nasal.
LUA SOBRE ESCOMBRO
(11 monósticos vitais)
Ao cuidado de si mesmo.
Pedra para sede da alma.
Nada sabia sobre luas nômades.
Amo lavabos e sacras pias.
Verme ama cadáver.
Beira de água sou.
Cão de orvalho colho com exata ração de paciência.
Alpiste para bentiví comemoro.
Adoro limbos absurdos.
Almas não se entendem.
Acres pântanos úmidos vãos agrimenso.
CINCO POEMAS DE 26 DE AGOSTO 2011
Pânicos certezas atravessou todas
com garrulice e cobardia
com galardia e desinência
nomeou o que lhe atribulava
com ternura de frade abstêmio.
Odor cálido de malte e cevada mitrada
(além de trunfas viçosas de cambriano latido)
exalava barcos atracados do Tâmisa.
Fedor defumado subia
dos coches pânicos (cascos
latindo aleluia das ruas londrinas).
Estreitos que Gilbratar cavara
bêbados barcos alastravam.
Índices índios revelam fumaça
despedidas das chaminés selvagens.
Fumegantes mensagens que luziam,
laudas de fumo do céu sem graça.
POEMA DE AMOR (8)
para José Gálaxy
Aroma vermelho de sangue velho pálido subia
do canteiro de mênstruo da aurora
delicioso jorro de abelhas se ouvia
da varanda dos pássaros de setembro
rumor de lua nascia dos odres
que a sede abandonara pendia
odor de teu sorriso espírito satisfazia
com indumentária viçosa de tua boca minha.
ROL E LUPA
A Paulo Bandeira da Cruz
Açafrão microscópico, ávida lamparina
(lume de ovelha, brasa de baunilha)
salmoura redonda, invasão muçulmana
de preces ajoelhadas, altos salmos a Alá
salgando o céu ardoroso da mesquita
corações repousando em potes de vinagre
vísceras incendiadas de carmim suave
cadáver de filósofo na pia (metafísica)
lançados estão os cálculos da alma
e os dados da carne já ardiam.
(Que Pitágoras há de recolhê-los?).
(Que Mallarmé há de aboli-los?)
O ESTILO É O HOMEM
Astrônomo estrábico
cego céu esquadrinha
com precisão ferina
(escandalosa perícia
abominava sua retina).
Estrídulos cegavam-lhe o tímpano
sons de galáxias escapavam do lume
telescópico de sua alma escrutinadora
dos céus de Deus e dos homens (vãos)
elementos celestes cósmicos portulanos
luzes do infinito maralto revelavam
do estribo da eternidade cavalos
da vara de Deus disparados
alimentavam o mistério vivo.
Os dados estão lacrados ainda
que chave de DNA, que clave
de partículas elementares
hão de abri-los?
EU
Anatomia da alma melancólica dissecada
minuciosamente com espátulas microscópicas
(cada átomo do espírito posto a olho nu da luneta)
por ímpios cachetes inibidores da bile
negra circunvolucionando pelo crânio e arredores
bisturis de fagulhas alumiando o íntimo
afiadas sombras auscultando
sulcos do espírito expostos a lume de abelha
na colméia da nuca seccionada
por cirurgiões do id acostumados
à faina analítica do lodo melancólico, esgotos
do ventre do imo abertos ao céu da escuta
escatológica acicatando questiúnculas da alma
em busca de respostas inesperadas ou imprecisas.
(símbolos do ego dejetados como mísseis da carne)
CARÓTIDA DE PRÍNCIPE
(com rimas em ia e ava)
Era desenhista de catástrofes venais
agrimensor de auroras intestinas
areado nos labirintos dos fidalgos lodos
secções de carótidas de príncipes colecionava
com paciência paciente e pinças esmeraldas
além de pilhas de incenso puritano
atulhado na sala junto a pântanos de ânimo
bebidos com copos do absinto de Funchal.
Curvas do crânio anotava
ossos da nuca na vasilha destra juntava
com esboços de lampejo do coração cortado
em fatias seccionadas com destreza bisturística
com alicates e navalhas de bom fio, férrea presa
do estábulo do esterno, muro, recolhia
com pinças vermelhas testículos de Áugias
e tenazes para apêndices de Broca.
Cartilagens verticais, vértebras serviçais
amontoava círculos dissecava
enquanto mortos em Trípoli se amontoavam
ou ratos devoravam o fígado do tirano
(que nem Siracusa perdoava).
CÍRCULO ACCIÓLYCO
Círculos vermelhos reunia Gálaxy em 1962
estriando lóbulos cerebrais de coelhos
da intrincada tela de neurônios inumeráveis
da lebre, labirinto químico elétrico, extraia
tutano e redondilhas de miolos rimados
consciência, ânsia, esperância acciólyca
elementos da alma reflexos
do íntimo homem encéfalo animal.
Que insólita luz guia navalha
pelos entroncamentos do id, labirintos
elétricos, paixões químicas desencadeadas
átomos acasalando com lampejos em leito de losango
que escapam da rede neuronial acesa?
Por fagulhas geométricas luzes da ribalta da vida.
ALMA DE PAPEL
Sede de poema tenho
que não sacia a palavra
jorro, revolto rio de imagem, catadupa
de figuras mentais, esboços flutuantes
do Siloé e do Averno
escaneio o verbo, extraio
positrônio brilho (galáxicos)
dos neurônios da poesia reunidos
na praça de barro do verbo acantonado
no limbo da palavra margem
bilhões de feixes, redes de trilhões de sinais
trocados entre sílabas e almas
comungadas como demônios agrestes
sina em curso eu curto
na página da alma de papel, o poema.
Amoniaco cozinhado com maníaco fogo
de rito agrário em pedra boticária de moer.
Aroma de brejo subia de teu lábio.
Voz de arnica, gesto de mimosa, drágea
de efemerina-da-virgínia e pose de miosótis
era tudo que eu tinha.
Posto de incenso seguia minha narina
clamor da ágora espírito alimentava.
Mescla de fétido terebinto
e lúbrico aroma de mulher no cio se misturavam.
Como velha podre dissecada e menisco de ervilha.
Vozes dos nuezins comemoraram bravo tiranocídio.
DESCARTES / NASSAU
Existo porque penso.
Descartes passeava por Paris à tarde a Berkeley
com roupas de vistoso tafetá
chapéu emplumado (como um não-cão de João Cabral)
uma espada de cobre pendondo do cinto
e dúvidas penduradas da algibeira (filosófica).
Em 1622 embarcara numa nau flamenga
para servir de cabo de guerra ao Príncipe
Maurício de Orange contra espanhas.
Através das fecundas lentes de Kepler leu a realidade vívida.
Descartes ponderoso medira
todo o fluxo do espírito através dos ventrículos da lua.
Moléculas de sal soluto sorvia
já cogitando do ego são.
René pesava almas e átomos de tempo
René media e dissecava a alma do átomo
(desconfiado que Deus habitasse o núcleo).
Descartes fazia escambo de almas por máquinas
trocava fé por certeza, capelos por elmos
palha por fogo, silos de luz por eitos de sombra.
Dizia: há uma alma em cada relógio
criando hora.
Quantos átomos tem a lousa?
Quantas partículas o movimento.
(com luneta espinoza espichava o tempo).
René era como uma vela acesa ao vento
ia-se, via-se.
Descartes descerebrava bezerras holandesas
buscando acomodar a alma
no leito minúsculo da glândula pineal.
FUTURO FEITO
Não resta ao futuro
nada fazer
tudo está feito
e bem feito.
Deus criou DNA e átomos.
O resto foi combinação do acaso
E cálculos das combinações genemas.
Pasto de mosca
banquete de furúnculos
em travessas de pus
panarícios e guloseimas podres.
O mistério da decomposição
em pratos (ou páginas) limpos
fruto da crua dissecação do tempo.
Reis devoradores de escrófulas
sob miseráveis muros de crenças sépticas.
Pinças e perícias para lancetar mazelas.
Com fios de suturas restaurar o mundo.
VISÃO 7
Do velho monastério restaram sombras
e passos de vésperas, além de obesas laudes
alastrados de vozes dolorosas
que acossavam escadas e mirraram.
Do altar das rainhas estupradas
nasceram flores e azinhavres.
Varre velho claustro vento vão
espadas do relâmpago alumiam o chão
ciprestes agonizam na sacristia escura
vulto de cavalo esporeia o vão.
Esporos de horas enxameiam cada desvão.
Cupins do púlpito oram ao cerne arbóreo.
Puas se acasalam com patenas no átrio.
Do píncaro da aurora saltam sombras marmóreas.
EPISÓDIO
A galopes de machado feriram o pálido eu
sulcos vermelhos arrancaram do alvo empíreo
baunilhas e abelhas deixaram ao leu
carcaças de nuvens abandonaram na relva
espumas de corcéis espalharam na página
das vísceras abertas do céu caíram
anjos inoculando o chão.
ENCONTROS VERMELHOS (1)
Encontrei-me com Algirdas Greimas
num pátio branco perto
de um hospício semiótico
deixei CS Peirce na sala o livro
aberto na página
junto a um molhe de alface
recém colhido de uma gôndola
de supermercado.
Acompanhava-me Eco, o do mistério rosa.
Tratava-me como Vital Narciso.
INTERPRÓLOGO
O sentido (em poesia) existe.
Apenas não é (nem deva o ser) fácil encontrá-lo.
O mais cenhidamente sonegado a leitor fácil.
Deixe-o ralar à procura do sentido perdido
(como idiota Indiana Jones).
Por isso é preciso dar à mensagem (texto)
O formato a mais hermético possível e
(para valoriza-la).
Criar ressignos.
Prosseguir com ressignificações intermitentes
Capazes de tempestuar (de peste e ímpeto)
O pobre cérebro leitor acabrunhado
De tanta poesia difícil.
Pois o poeta confronta (e revela) o sentido
oculto na túnica e dobras da palavra
(mantos consúteis e probros)
Digladia com a aparência da realidade
Com as armas reais da palavra poética.
a Edgard, à tarde, a ébrios
Ébrios amam bares, neles
sede imortal derramam
sob atônita emanação
de hinos atonais